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#especialOscar: A Zona Sentimental de Martin Amis

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Conheça mais sobre o escritor que inspirou o próximo vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

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Martim Vasques da Cunha
mar 08, 2024
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#especialOscar: A Zona Sentimental de Martin Amis
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What do they think has happened, the old fools,
To make them like this?
Philip Larkin,
The old fools.

Now the moronic inferno had caught up with me.
Saul Bellow,
Humboldt’s Gift[1].

1.

Uma semana antes de morrer de um câncer no esôfago, o jornalista Christopher Hitchens (1949–2011) escreveu o seu penúltimo artigo para a revista Vanity Fair, publicado no dia 9 de dezembro do ano passado, em que discorria sobre o aforismo de Nietzsche — “Aquilo que não me mata, me fortalece”. Para alguém que desembarcaria no país desconhecido de onde ninguém jamais voltou, a frase do filósofo alemão soava como piada de mau gosto. Ele substituiu tal reflexão por outras mais adequadas, e decidiu iniciar o texto com duas epígrafes: a primeira era de Bob Dylan, por quem Hitchens sempre mostrou admiração; a segunda era de Kingsley Amis (1922–1995): Death has this much to be said for it:/ You don’t have to get out of bed for it./ Wherever you happen to be/ They bring it to you — free[2].

Quem conhece a história da literatura inglesa contemporânea sabe que a citação foi como Hitchens homenageou não só o grande satirista que foi alçado à fama com seu segundo romance, Lucky Jim (1954), como também o sucessor da mesma tradição literária, o filho de Kingsley e um de seus melhores amigos (senão o melhor) — Martin Amis. Nascido em 1949, ele foi fruto do casamento com Hilary Bardwell, que posteriormente seria trocada sem cerimônias pela escritora Elizabeth Jane Howard, em um divórcio que deixaria marcas nas vidas de seus irmãos, o primogênito Philip e a caçula Sally. O trauma surgido desta situação aproximou Amis de Hitchens quando ambos trabalhavam na redação da The New Statesman, notória revista de esquerda que tinha entre seus membros ninguém menos que Julian Barnes, Ian McEwan e um ainda muito obscuro Salman Rushdie.

Assim como Martin, Hitchens era impetuoso, arrogante, achava que sabia demais e tinha suas cicatrizes de guerra: o suicídio da mãe, a lenta agonia de seu pai e a ocultação de sua herança judaica, descoberta só na maturidade. O filho de Kingsley cumpria no relacionamento com Hitchens o mesmo papel que seu pai também tinha com outro medalhão do mundo literário: Philip Larkin (1922–1985). Kingsley era o observador arguto que encontrava alguma luz na desesperança do cotidiano britânico, de preferência acompanhado de um copo de uísque; Larkin era o amargo por excelência, atormentado pela morte, à beira de uma crise de fé que nunca se resolveu. Martin tinha as qualidades do pai e mais algumas: uma prosa mais meticulosa, um perfeito senso de timing cômico que o fazia experimentar em outras áreas do humor inglês, em especial o negríssimo e até mesmo o nonsense. Já Hitch resolveu explodir todas as suas angústias na persona de polemista, chegando ao ponto de atuar como advogado do Diabo contra Madre Teresa de Calcutá (aliás, convidado pelo próprio Vaticano durante o processo de beatificação) e xingar ninguém menos que Deus ao provar sua inexistência só porque não alcançou a ereção tão desejada dentro de uma igreja.

British writer Martin Amis dies at 73 : NPR

Só Martin Amis sobreviveu para contar a sua história. É o que ele faz com seu romance, A viúva grávida (The pregnant widow, 2010), um acerto de contas com o estilo que seu pai renovou — o romance de formação juvenil, com pitadas de sexo e radiografia sentimental — e também com a figura de seu amigo Hitch, em especial sobre as experiências sexuais que ambos tiveram nos anos 1970. Mas isso é apenas a ponta do iceberg: por atrás do teatro de bastidores literários, em que era o enfant terrible da The New Statesman na seção de resenhas, não perdoando autores consagrados como Gore Vidal e Norman Mailer, pronto para destruir a reputação de clássicos como Dom Quixote e Paraíso perdido, cobrindo de elogios escritores de best seller como Thomas Harris, há o fantasma de sua irmã caçula, Sally.

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