#AAfeiçãoDosEstranhos
Vinte e três anos depois, o mundo ainda desperta diante de um céu vazio
Foi o gole extra de café que tomei na lanchonete. Certeza absoluta. Foram apenas cinco ou seis ou até mesmo dois segundos a mais em uma rotina construída para me proteger do ataque do acaso, mas foram os segundos que mudaram a minha vida. Sei que acabei de escrever uma banalidade. No entanto, não sou escritor, poeta ou sequer jornalista. Sou apenas mais um que resolveu tomar um gole extra de café na hora errada.
Tentarei voltar um pouco atrás, antes do café, antes da minha entrada na lanchonete, antes de sentar no banco de couro sujo e pedir o prato que eu como sempre às oito e meia da manhã. Acordei às sete — o rádio tocava um trecho de Kindertotenlieder, de Mahler, um trecho que, aliás, conhecia de cor e salteado —, fiz a barba, tomei um banho, me vesti com uma camisa branca, uma calça cinza listrada, sapatos e meias pretas. Desci a escada do prédio de três andares onde moro e fui para a lanchonete. Pedi o prato habitual, peguei o jornal abandonado ao lado e li a seção de cotidiano. Apenas uma coisa que me chamou a atenção e foi uma das manchetes: Carro cai em buraco gigante.