No Brasil, todo escritor já nasce póstumo, especialmente se for um grande escritor. Ou, parafraseando o Bruxo do Cosme Velho: aqui a escolha é ser um autor defunto ou um defunto autor.
Infelizmente, este foi o caso de Antonio Fernando Borges, falecido no último dia 3 de novembro, aos 70 anos de idade.
Para quem o nome não lhe diz nada, saiba apenas que ele foi um dos maiores romancistas que este país teve nos últimos vinte e cinco anos.
Não é exagero. Seus três livros principais - o volume de contos Que Fim Levou Brodie? (1997), e os romances Brás, Quincas & Cia. (2002) e Memorial de Buenos Aires (2006) - mostram uma fabulação suprema, um estilo límpido e uma ousadia de explorar ideias que estão muito além do horizonte mesquinho da nossa intelligentsia.
Não à toa, suas maiores inspirações foram ninguém menos que Machado de Assis, G.K. Chesterton e Jorge Luis Borges - com quem, aliás, Antonio partilhava o sobrenome.
Apesar de todo esse talento indiscutível, a obra de Antonio não foi adequadamente discutida entre seus pares, exceto por um ou outro escriba da blogsfera, como este que vos fala, Pedro Sette-Câmara e um elogio bem tímido de alguém (não me lembro o nome, sorry) que fazia parte do Wunderblogs.
Mas o fato é que, se alguém se pergunta porque o Brasil dos últimos vinte anos ainda não produziu uma obra de imaginação que sintetizou a revolução pela qual estamos vivendo desde 2018, a resposta é que tal façanha já foi feita - e quem fez isso foi justamente Antonio Fernando Borges.
Porém, a vida tomou todo mundo de surpresa, inclusive o próprio Antonio. Dono de um temperamento vulcânico, mas sem abrir mão da generosidade, ele parecia que tinha abandonado a ficção depois de ter publicado a trilogia citada acima. Dedicou-se a escrever pequenos tratados sobre escrita (que são deliciosos de ler). E aqueles admiradores do passado ficavam à espera de um novo romance que nunca chegou às prateleiras.
Sem dúvida, eu fui um desses admiradores que, com o passar do tempo, deixou de lado a obra de Antonio. Mea culpa, mea maxima culpa. Uma das minhas intenções, na parte final de A Poeira da Glória, era redigir uma breve resenha de Brás e Memorial, mas suspendi o projeto porque, de novo, queria saber se um novo romance iria surgir dos dedos do nosso Borges.
Quando o encontrei pela última vez, há mais de dez anos, ele me disse que tinha o intento de terminar uma ficção que deveria se chamar Depois de Deus. Mas, ao mesmo tempo, afirmou que tinha receio de abordar certos temas complexos que a trama exigia - e, por isso, deixou o manuscrito de lado.
Uma pena. O Brasil precisava de um novo romance de Antonio Fernando Borges. Sua imaginação fará falta em um país que, hoje, esqueceu de comentar a sua obra para endeusar, com falsos elogios, romancistas que insistem em uma adolescência perpétua, em coaches de técnica literária que simplesmente pararam de escrever e de suplementos culturais da nova direita cheios daquele ranço de água benta envelhecida.
Agora, cumpre a quem está aqui que releia as páginas brilhantes escritas por Antonio Fernando Borges - e fazer o possível para que ele não se torne, como sempre acontece nestas plagas, um defunto autor.
Já o li e também tive o gostinho de "quero mais".... Que seu legado não seja esquecido!
🙌❤️🙌
Li "Braz, Quincas & Cia" assim que saiu e me lembro que foi uma leitura prazerosa. Antonio escrevia muito bem, isso era nítido. Que descanse em paz.