#AFaceCruelDoJornalismo
De como "Profissão: Repórter" é, na verdade, um reality show de aspirantes a jornalistas.
No ar há mais de uma década, o programa “Profissão Repórter” é a resposta oficial da TV Globo à preocupação com o envelhecimento da audiência dos produtos jornalísticos da emissora.
Explica-se: o público jovem não tem lá tanta paciência para acompanhar um telejornal tradicional, com suas passagens morosas e metáforas batidas. Afora isso, cada vez mais, esses programas parecem trazer uma versão oficial dos acontecimentos, seja do governo, seja da oposição – é um problema de formato, principalmente. O “Profissão Repórter”, liderado por Caco Barcellos, oferece um contraponto ao se esmerar nos “bastidores da notícia”.
O tradutor do lero-lero já anuncia que é o programa, na verdade, é um reality show de aspirantes a jornalistas. Nele, os jovens repórteres, com câmeras, gravadores e celulares na mão, saem à cata das notícias – numa jornada que tem em Caco Barcellos uma espécie de mestra Yoda do ofício. Então, quando a trama engrossa, aparece o autor de Rota 66 para segurar a onda – e, se for o caso, enfrentar manifestantes raivosos (Barcellos tomou soco na cobertura das manifestações de junho de 2013) ou, ainda, para mostrar o caso da tentativa de compra de votos nas eleições de 2022.
Todo esse capital de estima deveria colocar o programa como espécie de vestal do fazer jornalístico, isto é, como padrão de cobertura – em especial para eventos dramáticos. Que não se enganem: a despeito das boas intenções de Caco Barcellos e da sua equipe de produção, jovens jornalistas que saem à cata de notícia com os sentimentos de jedis não-corrompidos pelo lado sombrio da força, “Profissão Repórter” ainda é programa jornalístico, de maneira que o vício acabará por corromper qualquer sinal de virtude.
Na edição desta quarta-feira, 14/8, foi ao ar o episódio que abordou a trágica queda de avião em Vinhedo, que, nesta sexta-feira, completa uma semana. As cenas são chocantes e causam mais pavor porque a aeronave parece cair como um avião de papel. Por conta disso, abundam teorias, hipóteses e outras conspiratas que explicariam a queda do avião. Faz uma semana que o jornalismo profissional faz o que conhece como ninguém: apresentar as especulações como se fossem hipóteses legítimas, e isso é deletério para a segunda mais antiga profissão do mundo.
No caso de “Profissão Repórter”, quem escancarou o vale-tudo pela notícia foi ninguém menos que Lito Souza, piloto, especialista em aviação e segurança aérea e criador de conteúdo para o YouTube (“Aviões e Músicas” é o nome do canal).
Ele foi entrevistado por Caco Barcellos para falar sobre o acidente (porque foi-se o tempo em que a TV Globo conseguia ignorar os especialistas que não foram ungidos pela emissora). Em tese, qualquer entrevistado ficaria honrada pela aparição na maior emissora do país – seria uma espécie de consagração. Lito Souza lamentou, conforme texto na plataforma X: