Martin Scorsese, em seu documentário Uma viagem pessoal através do cinema americano (1998), mostra a carreira de alguns diretores que, apesar de atenderem aos propósitos comerciais de Hollywood, conseguiam fazer filmes autorais que passavam mensagens subversivas. Eram os cineastas “contrabandistas” que, com muita astúcia, tratavam de temas relevantes sem perder a noção de entretenimento. Scorsese colocava nesta linhagem diretores do porte de Joseph H. Lewis, William Wyler (ganhador do Oscar por Ben-Hur) ou Michael Curtiz (que fez Casablanca). Atualmente, podemos acrescentar um novo nome: George Lucas.
Neste 4 de maio, conhecido há trinta anos como o “Star Wars Day”, o público pode rever a famosa e polêmica prequel Episódio 1 — A Ameaça Fantasma. Ainda assim, a continuação, Star Wars: Episódio 2 — Ataque dos Clones é um filme infinitamente superior, não só porque Lucas corrigiu as bobagens feitas no longa anterior (como Jar-Jar Binks, que, desta vez, só aparece por dez minutos), mas também porque fica claro o que ele realmente quer fazer com sua saga — um filme político de caráter subversivo, no qual mostra que toda república aparentemente democrática é o estopim para uma ditadura.
Na verdade, isto sempre esteve presente na trilogia original. Contudo, o disfarce de uma fantasia de ficção-científica, os milhões de dólares jogados em marketing e uma série de equívocos envolvendo Episódio 1 não deixaram o público perceber o plano de George Lucas. Porém, em Episódio 2, o aspecto político está tão cristalino que não há como ser evitado.
Claro que existem falhas — e muitas. Mas somos obrigados a esquecer a interpretação amadora de Hayden Christensen como Anakin Skywalker, um fedelho tão arrogante que qualquer espectador pode compreender porque o Lado Negro da Força o chama constantemente. Somos obrigados a esquecer alguns diálogos abomináveis ou os figurinos espalhafatosos da Senadora Amidala (uma imberbe Natalie Portman). Somos obrigados a esquecer que o Mace Windu de Samuel L. Jackson parece mais ter saído de um beco do Brooklyn do que de um planeta em uma galáxia muito, muito distante. E, enfim, somos obrigados a esquecer o visual hiperrealista que Lucas impôs com sua obsessão pelo filme digital, uma obsessão que não sossega se não mostrar milhares de naves flutuando atrás de uma janela ou três gigantescas cachoeiras numa cena de amor, quando poderia mostrar somente uma.
Temos de fazer esse esforço por causa do alerta que Lucas quer passar ao público. Quando ele fez a trilogia original de Star Wars, a aliança rebelde de Luke Skywalker, Princesa Leia e Han Solo representava os movimentos libertários que desejavam o fim de ditaduras autoritárias e totalitárias como a do General Pinochet, no Chile, ou a da União Soviética, na Polônia e na Tchecoslováquia. Agora, vinte e cinco anos depois, ao contar como Anakin Skywalker virou Darth Vader, a chamada “primeira trilogia” mostra como a política é um jogo de poder fútil, em que os bons são manipulados pelos maliciosos por meio de seus ideais pervertidos, para distorcer o princípio da ordem e impor somente a desordem. Nada mais atual e, ao mesmo tempo, nada mais subversivo nesses tempos em que ninguém percebe que uma nova ordem mundial pretende acabar com a liberdade do ser humano, gerando seu espírito através de guerras ou do terrorismo armado com bombas e movimentos de guerrilhas revolucionárias.
Assim, podemos reconsiderar os inúmeros defeitos do filme e perceber que, apesar de se passar num mundo de fantasia, Lucas narra uma história profundamente humana. Da mesma forma que Tolkien fez com O Senhor dos Anéis (mas em menor grau), são as fraquezas da paixão e da arrogância que impelem os personagens a entrar no teatro de marionetes criado pelo verdadeiro protagonista da saga, que nunca foi Anakin ou Luke Skywalker, e sim ninguém menos que o Senador Palpatine, futuro Imperador da galáxia a ser conhecido como Darth Sidious, interpretado com elegância afetada por Ian McDiarmid.
É de supor que, durante os anos em que ficou recluso no seu Skywalker Ranch, George Lucas tenha lido Murray Rothbard e Ludwig Von Mises, os economistas políticos que fizeram uma anatomia devastadora do Estado no século XX. Neste sentido, Star Wars parece ser uma saga paralela da história da Humanidade, em particular dos EUA. Isto fica óbvio em Episódio 2, quando Lucas cita explicitamente Abraham Lincoln ao pôr na boca do Senador Palpatine as seguintes palavras: “Eu amo a democracia, eu amo a República e, por isso, criarei o Grande Exército da República para impedir o avanço dos separatistas”. Ora, bolas, esta foi a mesma declaração que Lincoln, considerado um grande democrata, fez antes de entrar na Guerra da Secessão, um dos conflitos civis mais sangrentos já realizados. E qualquer um com o mínimo de inteligência sabe que, para aumentar o poder do Estado, nada como inventar uma guerra e amá-la a qualquer custo (remember Putin).
No entanto, apesar de ser subversivo no seu conteúdo, Lucas continua sendo um cineasta antiquado na forma. Mesmo com a revolução digital em que ele está empenhado em divulgar, Episódio 2 tem a estrutura de um episódio de matinê, abusando da montagem paralela de DW Griffith, ao intercalar as investigações de Obi-Wan Kenobi com o romance de Anakin e Amidala. O relacionamento entre estes dois jovens é marcado pela trilha-sonora de John Williams, que consegue dar um tom trágico e dolorido que poucos imberbes irão compreender. Somente anos depois, com a estreia de Episódio 3, ao mostrar a queda definitiva de Anakin Skywalker, que o espectador comum entendeu de vez o que George Lucas quis dizer com sua saga política-libertária, em que a desordem das paixões está conectada com a desordem das ideias. Mas, neste caso, nem a Força pôde impedir a escuridão que já reina há muito tempo sobre todos nós.
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O curso é um panorama dos eventos fundadores da cultura brasileira, especialmente nos anos de 2013 a 2022, mas que podem ser reconhecidos naquilo que os historiadores chamam de "Nova República".
Discutimos o Massacre do Carandiru, os protestos dos Caras-Pintadas, os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff, e as condições para o surgimento de um autêntico movimento de resistência contra o poder, inspirados em modelos históricos de virtude e ousadia.
Do mesmo modo, o curso mostra como essa "nobreza da tragédia" foi pervertida nos últimos tempos, em uma farsa que contaminou a nossa sociedade nos mínimos detalhes do cotidiano.
São oito aulas, de 20 a 30 minutos cada, que consistem nos seguintes assuntos:
1) Os eventos fundadores da cultura brasileira entre 2013 a 2022: o impeachment de Fernando Collor e o massacre no presídio do Carandiru; Modelos brasileiros de resistência contra o poder: a Inconfidência Mineira;
2) Modelos universais de resistência contra o poder: Sócrates e Cristo; O que é a verdadeira tragédia?;
3) Os dilemas éticos de quem vive uma tragédia;
4) A rebelião das elites e o início da nossa farsa;
5) O problema da liberdade;
6) Anatomia da nossa estupidez;
7) A falência de "estar no mundo";
8) "Relembrar é viver": a memória como salvação.
CURSO 2 - A IMAGINAÇÃO PARANOICA
Todo mundo acredita que o grande problema político da atualidade é identificar – e evitar – os golpes de estado e as teorias conspiratórias que são o seu alimento.
Seja no Brasil, seja no resto do mundo, os complôs estão em voga.
Como reconhecê-los? E além disso: como impedi-los?
Este curso foi feito com este propósito.
Analisarei como surgem as teorias conspiratórias, como os complôs podem destruir uma sociedade (e a sua vida) – e como se prevenir de um golpe de estado.
Abaixo, os temas das aulas (duração de 50 minutos cada) – e suas respectivas datas de exibição:
1ª aula: O DRAMA DA RAZÃO PARANOICA
- A tensão entre fé e razão na História da Filosofia;
- Quais são as técnicas para realizar e impedir um golpe de estado?
2ª aula : O TERROR DA INCERTEZA
- O impasse entre Realismo e Empirismo na busca filosófica;
- Quando a curiosidade sobre o mundo realmente mata;
- A negação da morte.
3ª aula: O TRIUNFO DA PARANOIA
- A marcha vitoriosa do Idealismo Alemão;
- As alucinações da Modernidade.
4ª aula: A CONSPIRAÇÃO CONTRA O SER HUMANO
- A destruição da natureza humana;
- O abandono como salvação.
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Star Wars sempre representou,assim o entendi, a saga da humanidade para manter sua liberdade. Adorei seu texto,Martin.
Em todo o Império não havia um especialista em segurança para colocar corrimão nas escadas, guarda-corpo nessas passarelas estreitíssimas sobre fossos infindáveis, ou alertas de perigo, tipo "Cuidado! Porta desintegradora", "Atenção ao vão entre a plataforma flutuante e a espaçonace", " Não abra a janela durante o hiperespaço", "Não descarte copos, garrafas ou bitucas no fosso do reator nuclear".