#AIlhaDasArtes
Em Naoshima (Japão), cada museu e cada obra de arte são como um ponto esperando a ser ligado ao próximo
No imaginário coletivo, uma ilha é um lugar cheio de ambiguidades. Apartada do continente, esse pedaço de terra evoca refúgio, solidão, encanto… Pode simbolizar por exemplo, o exílio, mas também o isolamento necessário para que alguma revelação seja descoberta. Esse simbolismo é visível na história das artes e da mitologia. Em O Senhor das Moscas, a ilha serve de palco para a transformação da sociedade em barbárie. Na Odisséia, Ítaca é o lar perdido do herói Ulisses. Enquanto em Utopia, é o lugar da sociedade perfeita. Já na lendária ilha de Avalon, é onde jaz o Rei Artur.
Abrigada no mar interior de Seto (Japão), onde há cerca de 3 mil ilhas, a pequena Naoshima retoma essa ambiguidade ancestral: a do afastamento que revela. Conhecida simplesmente como Ilha das Artes, essa região insular abriga uma série de mini-museus de arte moderna que podem e devem ser visitados em sequência. Essa maratona cultural é feita pelos turistas que, diariamente, descem no porto de Miyanoura pela manhã e retornam ao pôr do Sol.
Após desembarcar do ferry oriundo de Okayama, os visitantes aglomeram-se em frente às poucas lojas que ficam a dezenas de metros do porto. As filas que se formam são para alugar bicicletas elétricas, o meio de transporte preferido para se movimentar por Naoshima. Afinal, há poucos ônibus (que passam apenas a cada uma hora) e somente um único táxi em toda a ilha de meros 8 quilômetros quadrados. A maneira mais prática, portanto, para ir de um museu ao outro é pedalando.
Os museus são administrados por uma única empresa, a Benesse Corporation, e é recomendado que os ingressos sejam adquiridos com antecedência pela internet. As construções foram projetadas pelo arquiteto japonês Tadao Ando, vencedor do prêmio de arquitetura mais importante do mundo, o Pritzker. Não é à toa que, além de Ilha das Artes, Naoshima também seja conhecida como Ilha de Ando.
Explorar Naoshima é uma experiência surreal. Alterna-se o silêncio da natureza em meio às árvores com a vista de uma belíssima costa marítima onipresente. Nessa paisagem, museus e intervenções artísticas vão surgindo aos poucos; às vezes, de onde menos se espera. Cenas oníricas como a de um lago coberto de esferas metálicas ou a de uma abóbora gigante à beira-mar podem aparecer diante dos olhos ao fim de uma curva ou de uma descida. A arte, portanto, não está apenas nas galerias, mas no próprio deslocamento. É como se a própria ilha fosse uma instalação contínua.
Os museus - além de abrigar artistas como Monet, James Turrel, Basquiat, Roy Lichtenstein - servem como molduras do invisível: do vento, das marés, do próprio tempo… Um exemplo é o Museu de Arte Chichu, cuja tradução seria “museu de arte dentro da terra”. Suas instalações são subterrâneas, deixando entrar apenas luz natural por meio de aberturas no teto, o que faz com que a sua aparência (e a aparência das obras de arte nele contidas) mude de acordo com a hora do dia e com as condições climáticas, oferecendo uma nova dimensão contemplativa. É o que acontece com uma das famosas Ninféias de Claude Monet exposta no museu. Pintura inspirada, inclusive, nas estampas japonesas - conhecidas como ukiyo-e - que influenciaram todos os impressionistas, de van Gogh a Camille Pissarro, durante a febre artística do século XIX que ficou conhecida como Japonismo.
Em Naoshima, cada museu e cada obra de arte são como um ponto esperando a ser ligado ao próximo. O desenho mental formado por esses pontos constitui um labirinto – assim como o existente em outra famosa ilha, Creta – no qual nos perdemos da mesma forma que nos corredores de concreto projetados por Tadao Ando. Ao fim do percurso dos museus, não há resposta, nenhuma conclusão. O enigma de Naoshima é levado conosco. Afinal, o verdadeiro labirinto não está no seu mapa, mas dentro de cada um de seus visitantes. Essa é a experiência do exílio imaginário que esta pequena ilha nos impõe.






