#AndamosTodosIguais
Labubus, Bobbie Goods, Morango do amor e o frenesi da carência coletiva
Não sei o que foi mais enjoativo esses últimos tempos, se foi o morango do amor, o labubu, o bobbie goods ou se ainda tô processando a onda do copo Stanley e do Pistache... Só sei que bombom de morango é mais gostoso!
Mas eis que venho, atrasada como toda boa crítica social bem feita, falar sobre um fenômeno que começou como coceira e virou sarna coletiva: as tendências. Sim, elas. A desgraça cíclica que transforma adultos em crianças mimadas e crianças em reféns de bonecos com cara de trauma não tratado — alô, Labubu.
Essa praga moderna que faz com que estejamos todos — voluntária ou involuntariamente — imersos no lamaçal do “preciso ter”, “preciso mostrar” e, claro, “preciso postar”. O problema não é nem a tendência em si, é a incapacidade da massa de pensar por si antes de embarcar em mais uma febre coletiva.
Vivemos atualmente em um looping de modinhas cada vez mais rápidas, mais caras e mais absurdas. O problema não é só consumir — é a ilusão de pertencimento que elas vendem. E o mais irônico é ver justamente quem mais critica o capitalismo sendo quem mais se endivida pra acompanhar essas febres. Porque se você não tem dinheiro pra comprar o boneco original, tudo bem, existe o “dupe”, o similar, o falsificado. Mas ficar de fora? Jamais. E o ciclo continua. Uma necessidade burra de provar para os outros que você “tem”, mesmo que pra isso precise parcelar em 12 vezes.
Antes de começarmos esse desfile de frustrações embaladas em sarcasmo e papel laminado, vamos lembrar da lei que proíbe propaganda de brinquedos, aquela que supostamente protegeria as crianças da sanha consumista. Ah, que piada boa! Enquanto o governo dorme tranquilo achando que resolveu alguma coisa, sua filha de 3 anos já sabe o nome do Labubu, já viu vídeo de unboxing no YouTube e já sabe que precisa de uma "caixa misteriosa" para não ser a única loser do jardim III.
Mas calma, segundo os fabricantes, o Labubu é 15+, não porque o boneco tem conteúdo adulto (ele só parece um demônio vindo de um pesadelo fofo, é diferente), mas numa tentativa cínica de proteger a empresa — não a criança — pois assim a empresa evita ser processada por influenciar capitalismo infantil. Agora me diga: em que universo uma criança entende limite etário para o desejo consumista?
Mas as crianças estão obcecadas, e a pergunta que fica é: como elas sequer souberam da existência desses bonecos bizarros se teoricamente estão protegidas da propaganda? Elas estão sendo expostas, sim. E isso acontece mesmo que você, pai ou mãe zeloso, não as deixe acessar celular, YouTube ou TikTok sem supervisão. A verdade é que elas estão absorvendo isso por osmose social — e não adianta tentar desligar a internet do mundo.
Mas vamos falar sobre o glorioso efeito manada, que faz o pobre anti-capitalista comprar o que o capitalista lançou — só que parcelado em 12x, com frete do AliExpress e vídeo no TikTok mostrando a chegada. Porque claro, se não tem post, não tem aquisição válida.
É aí que entram os Labubus, os Bobbie Goods, os Morango do Amor, o Pistache Gourmetizado — sim, pois infelizmente a onda do pistache ainda não acabou —, copo Stanley, e qualquer outro símbolo de pertencimento emocional e falência financeira.
E se preparem, parece que aí vem os Wakukus...
Bom, vamos falar do morango do amor? Ah, o morango. A fruta mais traída do agronegócio brasileiro, agora elevada a ícone gourmet pela internet. No auge da entressafra, quando o preço beira o indecente, influencers resolveram transformar a frutinha em símbolo de status. Resultado? Teve até mulher passando mal de ansiedade porque não conseguiu esperar o seu morango caramelizado chegar após o pedido ser realizado. Na anamnese clínica realizada no hospital com certeza havia o relato: "Como assim eu ainda não tenho um vídeo comendo morango do amor? Tô infartando sim!" Não estamos falando mais de desejo — estamos falando de colapso emocional por comida de Instagram.
Não estou aqui condenando quem compra, eu mesma comprei, comi e não postei. Até porque a experiência era pra mim, e não para os outros. E honestamente, bombom de morango é bem melhor!
A onda “do amor” pra qualquer fruta, atualmente ajudou muitas pessoas a se reestabelecer financeiramente, mas até quando dura o surto coletivo? Não existe consistência que garanta esse tipo de mercado da modinha, que aliás, teve até uma análise política comparando o ápice do doce à queda de Donald Trump, hilário.
E aí vem os livros de colorir Bobbie Goods, que surgiram com a proposta de relaxar. O que era pra ser uma terapia, virou um Hunger Games com canetinhas coloridas. Um mundo doce e lúdico pra você pintar com calma e esquecer do estresse. Mas as redes sociais transformam tudo em competição. Agora, você precisa ter as canetas "certo tom pastel da Tombow", as técnicas do momento e o feed impecável com seu Bobbie finalizado como se fosse uma Mona Lisa com glitter. Relaxante? Só se for relaxante muscular depois da tendinite.
Uma verdadeira arena de comparação estética e performance de perfeição. O que era para ser calmaria virou competição. Ninguém mais relaxa colorindo — agora se estressa pra ter as mesmas canetas, as mesmas técnicas, o mesmo resultado Instagramável. E cuidado para não ser descoberto pelos detetives virtuais de plantão por comprar o livrinho falsificado!
Se você está pintando com canetinha Bic e papel sulfite, desista: você será humilhado pelo algoritmo e ignorado pelas hashtags. No fim, relaxar virou mais um produto de luxo. Porque se você não tiver o kit Tombow pastel + papel 300g + iluminação ring light, seu Bobbie está automaticamente invalidado. Porque hoje em dia até o "terapêutico" precisa performar perfeição no Instagram. Alô, ansiedade, senta aqui e vamos colorir juntas.
E se você achou tudo isso absurdo atual, lembre-se do maior surrealismo capitalista, a querida Balenciaga, essa entidade fashion que cobra três salários mínimos por uma bolsa com cara de lixo reciclado. É bolsa em formato de saco de lixo, chinelo de garrafa pet, brincos de tampinha de garrafa, tênis surrado, o look completo é de um verdadeiro andarilho, porém com o preço de um carro não tão popular assim. A ironia é tanta que parece performance de Bienal. Ricos fingindo ser pobres com roupas rasgadas e os pobres tentando parecer ricos usando produtos falsificados dessas mesmas marcas. Um teatro social com figurino e ingresso caríssimos onde todo mundo quer performar uma vida que não vive.
E ninguém, absolutamente ninguém, consegue dizer “não” a uma tendência. A gente simplesmente não sabe boicotar modinhas. A necessidade de pertencimento é tão grande que, quando surge uma nova febre, a pergunta nunca é “faz sentido?”, e sim “onde eu compro?”. Crianças querem bonecos de adultos, adultos querem livros de colorir de crianças, todos querem morangos e pistaches como se fossem diamantes. O capitalismo já nem precisa se esforçar — a insanidade coletiva faz todo o trabalho.
Bom, e nesse grande hospício chamado redes sociais, temos:
Adultos ansiosos obcecados com Bobbie Goods feito ‘para crianças’.
Crianças desesperadas obcecadas com Labubus, que são ‘itens de adultos’.
Gente surtando por morango como se fosse item de emergência hospitalar.
Psiquiatras rindo à toa, porque clientes não vão faltar. E eles nem precisam fazer campanha publicitária — o Instagram faz isso por eles.
No final de tudo, sabe qual o problema das pessoas? É aceitar as tendências imbecis que surgem e arrumar um jeito de adquirir aquilo, nem que seja falsificado, nem que seja parcelado, nem que provoque aumento de ansiedade, nem que prejudique os filhos, nem que tenha que vender a alma, a necessidade absurda de pertencimento faz com que as pessoas entrem em um frenesi de ‘possuir para postar’ que explica totalmente a facilidade de manipulação política, social, moral, ética. São vendidos por tão pouco...
Mas se você está cansado, estressado e se sentindo um peixe fora d’água, parabéns: talvez ainda exista algum traço de sanidade em você. Mas não se iluda: logo vão lançar uma modinha de terapia coletiva no TikTok, com filtro de luz baixa, música lo-fi e #HealingVibes.
E você vai querer participar. Porque ninguém quer ficar de fora da tendência de se curar.
Yasmim, pois é. Depois reclamam do Trump. Nós merecemos a China, em especial a manada anti-capitalista.
Yasmim, texto perfeito.