Prólogo: A Ascensão do Império Mooriano
Cain: Murder? Don’t talk to me about murder. I invented murder!
–Alan Moore [Saga of the Swamp Thing #33]
É uma prova da rápida ascensão do prestígio de Alan Moore dentro da DC que ele tenha escrito três histórias do Super-Homem mais ou menos um ano depois de seu primeiro gibi publicado pela editora.
O Super-Homem sempre foi o personagem mais protegido da DC. Ele era a galinha dos ovos de ouro e precisava sempre estar mais ou menos pronto para uma adaptação para outras mídias. De fato, o personagem está na vanguarda da proteção marcária e do desenvolvimento transmídia. O controle que o editor Mort Weisinger exercia sobre o personagem era lendário. Mesmo Julius Schwartz, que o substituiu, somente conseguiu segurar por muito tempo as mudanças introduzidas por Dennis O’Neil no início dos anos 70.
Duas das histórias que Moore escreveu, ainda por cima, não foram publicadas em qualquer gibi. Para o Homem que Tem Tudo foi publicada em Superman Annual #11. As revistas anuais sempre recebiam espaço privilegiado nas propagandas publicadas nos outros gibis da editora. O anual chegou às bancas em junho de 1985, meses depois de A Linha da Selva [que saiu em DC Comics Presents #85, nas bancas no início daquele mês]. O Que Aconteceu ao Homem de Aço? foi publicada em Superman #423 e Action Comics #583. São as duas principais séries do personagem, na edição que antecedeu ao reboot do personagem pelas mãos de John Byrne. Eram, portanto, as edições de despedida do Super-Homem “oficial”.
Ele também não foi contratado para escrevê-las como qualquer roteirista. Ele pode ter sido a ficha dois, mas a ficha um era Jerry Siegel [que fez uma pedida muito alta ou foi vetado pelos altos escalões da editora por tê-la processado no passado, dependendo de para quem você pergunte]: ser a segunda opção para escrever uma história dessas nessas circunstâncias é uma prova de prestígio.
O próprio Moore enxergava esse prestígio — e estava encantado.
A série do Monstro do Pântano nem pagava tão bem. A DC vendera todos os direitos do personagem, além daqueles diretamente relativos à publicação da hq, a preço de banana no final dos anos 70 para uma produtora de cinema. Mas, mesmo assim, os royalties que ele recebeu pela sua primeira edição da série [pouco mais de mil dólares] foram superiores a tudo que Marvelman lhe havia rendido ao longo dos três anos de sua publicação.
Ele foi para os EUA duas vezes em dois anos. Teve a oportunidade de conhecer ídolos pessoais, como Joe Orlando e o próprio Julius Schwartz [que Moore admirava como quadrinista e por ter sido agente literário de H. P. Lovecraft]. Na segunda vez, ele foi com a família: a DC enviou uma limusine para buscá-los no aeroporto. Em seguida ele forçaria a barra para levar V de Vingança para a editora – o que afundou os planos de Dez Skinn de vender para uma editora americana em um só pacote todas as séries originalmente publicadas na revista Warrior.
O prestígio de Moore tem um contexto. Nos anos 80, e em grande parte graças aos esforços de Jenette Kahn, a DC agiu de forma agressiva para atrair grandes quadrinistas para a editora. Assim que arrumou o seu caixa, criou um novo plano de pagamento de royalties. O objetivo era atrair grandes nomes para desenvolver séries que seriam lançadas diretamente nas lojas de quadrinhos.
O primeiro grande beneficiado disso foi Frank Miller. Para trazê-lo da Marvel e publicar Ronin, Kahn lhe ofereceu o que as lendas descrevem como o melhor contrato já assinado por um quadrinista nos EUA até aquele momento. Moore, no entanto, foi o primeiro grande sucesso: em 1985, o Monstro do Pântano ganhou os prêmios Kirby de melhor edição, melhor série, melhor escritor, melhor equipe de desenho e melhor capa. Isso são cinco dos doze troféus distribuídos na premiação, sendo que a série só poderia concorrer em oito categorias.
Era um prestígio associado a um método. Moore conquistou esse reconhecimento dissecando super-heróis para reinterpretar os seus elementos de forma mortalmente séria, com o verniz literário que Kahn esperava.
Nas palavras de Dave Gibbons, Moore era o “golden boy” da DC. Também era o roteirista mais sádico e sofisticado que os quadrinhos já tinham visto. Quando A Linha da Selva, a primeira de suas três histórias com o personagem a ser publicada, chegou às bancas, só existia uma dúvida: Como ele torturaria o Homem de Aço?