Para o Homem que Tem Tudo, de Alan Moore, Dave Gibbons e Tom Ziuko
Coreuta: Foste, decerto, além daquela oposição?
Prometeu: Sim, curei nos homens a preocupação da morte.
C.: Que remédio achaste para esse mal?
P.: Alojei neles as cegas esperanças.
–Ésquilo [Prometeu Acorrentado, tradução de Jaime Bruna]
O ponto de partida Para o Homem que Tem Tudo, que chegou às bancas na revista Superman Annual #11 só três semanas depois da DC Presents #85, é praticamente o mesmo de A Linha da Selva. As duas histórias começam com o Super-Homem sendo levado para um estado alucinógeno por um organismo alienígena; o seu desenvolvimento trata da natureza do delírio do herói; e o sentido da caracterização do personagem é explicitado pela forma através da qual ele se livra do seu estado.
A diferença, no entanto, está na clave. Se você comparar a forma pela qual o gatilho narrativo que dá início à história é apresentado, facilmente vai concluir que houve uma elevação na miticidade da história. Em A Linha da Selva, o Super-Homem é contaminado por um fungo Kryptoniano, cuja existência é ancorada em um almanaque; o seu delírio é febril. Existe, portanto, uma tentativa de apresentar a situação de forma realista.
Em Para o Homem que Tem Tudo, o Super-Homem entra em estado catatônico por ser dominado pela Clemência Negra: uma “planta telepática” simbionte que “talvez seja mágica”, que faz com que o hospedeiro viva em um mundo de fantasia formado pelo que a planta interpreta ser o seu maior desejo, enquanto se alimenta de sua “bioaura”. Tudo nessa explicação é fantástico.
A própria aparência das duas coisas, o fungo e a planta, sugere que a segunda tem um caráter simbólico. A Clemência Negra lembra uma rosa, o que lhe associa a uma combinação de beleza e espinhos que traduz muito bem a ambiguidade de uma planta chamada “clemência negra” que te imerge em uma alucinação fantástica em troca da tua “bioaura”. Não é uma aparência que se preocupe em ser realista: ela foi escolhida pelo seu conteúdo simbólico.
Enquanto isso, o fungo de A Linha da Selva parece, bom, um fungo.
Mas Para o Homem que Tem Tudo ainda é um gibi de Alan Moore, o que faz com que isso tenha alguns níveis interpretativos.
Em A Linha da Selva, o Super-Homem é um personagem mundano que mergulha em um inferno de símbolos: como eu expliquei ali em cima, a moral da história é que ele não é capaz de entender o simbolismo de seu delírio. Em Para o Homem que Tem Tudo a situação é a inversa: Os símbolos estão no “mundo real” da narrativa, enquanto que o seu delírio é mundano e realista.