#APátriaDoEspírito
A política sempre foi "a organização sistemática dos ódios". A eleição de Donald Trump foi um modo de impedir isso?
Strange things have happened, like never before.
World Gone Wrong, The Mississipi Sheiks
1.
Contra todas as previsões da imprensa e dos especialistas, Donald Trump é (de novo) presidente dos Estados Unidos, eleito por uma ampla maioria no colégio eleitoral (312 votos) e vitorioso no âmbito popular (mais de 76 milhões de pessoas). Talvez ele não seja o político ideal para a situação que se avizinha, mas o fato é que temos de admitir que estamos a testemunhar uma revolução política, uma tentativa de voltar às raízes daquele país que Alexis de Tocqueville descreveu em seu clássico A Democracia na América (1835).
Ali, o pensador francês comenta espantado como os EUA podiam existir sem ter um governo centralizado. Para o francês, as nações europeias só conseguiram se manter graças a uma centralização de poder que, no caso da França, ia do rei para as assembleias, das assembleias para os estados, dos estados para as cidades, das cidades para os funcionários públicos, dos funcionários públicos para os cidadãos normais — e assim por diante.
Nos EUA, tudo acontecia ao contrário — e, talvez por um milagre que só uma nova ciência política poderia explicar, era justamente o fato de ser um governo descentralizado que permitia os americanos exercerem sua liberdade e sua igualdade de maneira harmoniosa. Foi justamente essa descentralização, mais do que qualquer componente demográfico ou racial, que deu a vitória espantosa a Trump (e é claro que, hoje, se Tocqueville visse os EUA, completamente diferentes daquela nação que experimentou, diria sem misericórdia que não gostaria de forma alguma ver o seu diagnóstico confirmado por meio de um político que não tem nada de aristocrático).
Contudo, isso não acontece somente na América. A obsessão de que um governo centralizado seria a solução de todos os problemas políticos — algo que dominou a mente do establishment progressista, seja do Partido Republicano ou do Partido Democrata — parecia ser a ideia fixa do momento tanto no resto do mundo como no Brasil.
2.
Por isso, surge a pergunta: Em quem Donald Trump se inspirou, na sua conturbada carreira política, para ir na contracorrente deste movimento? Por acaso já existiu alguém que realizou esse elemento alienígena chamado “auto-governo”, descentralizado, que deixa as coisas acontecerem de forma natural, sem qualquer espécie de intervenção nos assuntos do mercado e do indivíduo?