O filme A Queda: Os últimos dias de Hitler (2014), de Oliver Hirschbiegel, dispensa introduções, principalmente por conta do seu sucesso estrondoso e também das polêmicas que levantou à época de seu lançamento, principalmente por conta da ideia de que o filme apresenta um “Hitler humano” (interpretado de forma brilhante por Bruno Ganz). O longa acompanha os últimos dias de Hitler e do Terceiro Reich, seguindo o dia-a-dia do Führer e dos homens e mulheres de seu “círculo íntimo”, que precisam lidar com o comportamento errático do ditador, que vê o seu império assassino desmoronar diante de seus olhos. Parte do sucesso do filme é se usar da ambiência claustrofóbica - o Führerbunker - para revelar a verdadeira natureza daquelas pessoas, ainda mais quando estão encurraladas e diante da morte.
A morte é algo que paira em todas as cenas do filme. Obviamente que a Shoah causada pelos nazistas (ainda que nunca mostrada) paira como uma mortalha em todas as cenas, mas Hirschbiegel se foca no alto comando nazista, que vê não só a proximidade da morte, mas como a derrota do projeto do Terceiro Reich é, também, uma morte para aquelas pessoas (algo muito bem representado na assombrosa cena em que Joseph e Magda Goebbels assassinam os filhos, antes de cometerem suicídio). Mas o ponto polêmico é que Hirschbiegel constrói as cenas e a temática assumindo o ponto de vista nazista e, portanto, por extensão, assumindo que nós, espectadores, também compartilhemos desse ponto de vista. Tendo em vista que o tema do filme é o da morte, e todo ser humano no planeta, de uma forma ou de outra, vai se confrontar com isso, por óbvio que alguma identificação com os protagonistas nazistas se forme.
Isso, evidentemente, é profundamente perturbador (ainda mais para este que vos escreve, dadas as circunstâncias). Hirschibiegel, tal qual Joseph Brodsky, levanta um espelho e nos obriga a confrontar o que vemos, independentemente do que poderíamos gostar de ver. É cômodo ver os nazistas como vilões de histórias em quadrinhos: o uniforme preto da SS, a insígnia Totenkopf, seu racismo flagrante, e pura fura sanguinária fazem eles alvos perfeitos para os punhos do Indiana Jones ou do Capitão América. O próprio interesse bizarro por ocultismo, partilhado por Heinrich Himmler e Alfred Rosenberg, fizeram com que os nazistas também virassem inimigos sobrenaturais em franquias como Hellboy e Return to Castle Wolfenstein. Mas… e os nazistas, tal como eles eram, na vida real?