#ATraiçãoDosIntelectuais
O antiquíssimo livro de Julien Bonda está mais atual do que nunca
Em 1927, num mundo ainda ferido pela guerra e já intoxicado por novas paixões coletivas, um livro soou como um alarme moral. Ele não denunciava exércitos nem regimes, mas algo mais sutil e talvez mais grave: a deserção silenciosa dos que pensam. O livro narra esse gesto de acusação como quem descreve um incêndio que começa na biblioteca, não na rua. A tragédia, ali, não é o erro, mas a rendição da razão às conveniências do tempo.
A traição dos intelectuais, de Julien Benda. A figura central é, obviamente, a do intelectual que deveria manter certa distância do poder para proteger a verdade, a justiça, a razão. O livro insiste num ideal quase ascético: o pensador deve ser como alguém disposto a perder aplausos para não perder princípios. Um personagem que aceita a solidão como preço da lucidez.
Mas o drama começa quando os intelectuais, seduzidos pelo barulho da história, decidem trocar a influência racional pelos aplausos de palanque. Nacionalismos, ideologias, causas redentoras: tudo parece mais urgente do que aquela paciência necessária na busca do pensamento.
E assim o intelectual passa a justificar a violência em nome da pátria, a mentira em nome do povo, a injustiça em nome da História. O livro destaca que a traição não acontece num ato espetacular, mas em pequenas concessões sucessivas, sempre razoáveis, sempre bem-intencionadas, mas que, no final, acaba criando um ambiente inviável para o pensamento racional.
Não se trata, porém, de defender um intelectual neutro, mudo ou indiferente ao mundo. A intenção de Benda é muito mais exigente: o pensamento deve intervir na vida pública, desde que não abdique de sua vocação crítica. O intelectual torna-se um traidor quando se transforma em militante cego. Porque o seu papel é lembrar que nenhuma causa histórica absolve a renúncia à verdade.
O livro termina com uma pergunta que permanece intacta: quem ainda aceita ser impopular para ter um sério compromisso com a verdade? Num tempo em que opiniões circulam mais rápido do que ideias, essa questão ressoa com força renovada.
A traição dos intelectuais, portanto, não é um livro que pertence ao longínquo ano de 1927. O intelectual também é um ser humano falível que pode perfeitamente trocar sua autonomia e credibilidade pelos privilégios de uma promiscuidadezinha com os poderosos.
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A traição dos intelectuais
Julien Benda
Peixoto Neto, 2007
288 páginas





Gostei!
Parabéns Nunes. Não te conheço mas me identifiquei completamente com isso e com meu estilo de atuação numa instituição complexa mas intimamente enraizada em velhas práticas. Abraço