#AVitóriaDeCoppola
O crítico (ou “crítico”) vê a si mesmo vendo o filme através de um filtro no qual se acumulam zilhões de preconceitos e expectativas desencontradas.
Por André De Leones
Uma boa surpresa (dentre várias outras) que tive assistindo a “Megalópolis” foi constatar que a estrutura narrativa do filme é absolutamente convencional, com os três atos muitíssimo bem delineados. Eu temia que, dominado pela húbris, Francis Ford Coppola tivesse sucumbido sob o peso das próprias ideias e do tamanho de um projeto acalentado há décadas e financiado com seus próprios recursos. Não é o caso.
Mas essa constatação leva águas para outro moinho. Reli algumas críticas (positivas e negativas) publicadas desde as primeiras exibições do filme e, em muitas delas, tive dificuldades para enxergar ali a obra que vi na tela. Não há nada da “bagunça” que alguns apontaram. É como se, em alguns casos, o crítico (ou “crítico”) visse a si mesmo vendo o filme através de um filtro no qual se acumulam zilhões de preconceitos e expectativas desencontradas. Ou seja, a “bagunça” estava nos olhos de quem viu.
Sim, sim, todos alimentamos expectativas, é algo inescapável (falo a respeito das minhas daqui a pouco), mas também estou me referindo a algo diferente: há muita gente que não vê (ou lê) a obra pela obra, a obra pelo que ela é ou tal como se apresenta, cinematográfica (ou literariamente) falando, mas, sim, mediante uma impressão ou uma ideia difusa do que ela (obra) “deveria” ser. Essas pessoas não se abrem ao que veem ou leem, desarmadas, mas se fecham de forma antecipada e julgam “saber” exatamente o que esperar. Se a obra corresponde a essa expectativa (boa ou ruim), está tudo certo, “eu já sabia” etc. Se a obra foge a essa expectativa, é rejeitada logo de cara. Não há curiosidade. Não há espaço para/possibilidade de surpresa.
Eu vi “Megalópolis” esperando que fosse desastroso, mas por uma boa razão: desde meados dos anos 1990, os filmes de Coppola oscilam entre a mediocridade (“O homem que fazia chover”) e a extrema ruindade (“Jack”, “Twixt”). Esperava que “Megalópolis” fosse desastroso, mas em nenhum momento me fechei para a possibilidade de que fosse bom ou mesmo excelente (ou sequer teria ido ao cinema). Em outras palavras, mesmo esperando pelo pior, fui desarmado à exibição e vi o filme com os olhos bem abertos. E “Megalópolis” foi uma ótima surpresa, tanto quanto “Dias perfeitos”, de Wim Wenders. Sim, são filmes muito, muito diferentes entre si, mas cito Wenders porque seu trabalho no cinema de ficção descarrilhara feio após “Asas do desejo”. Há essa coincidência entre eles: dois cineastas que perderam a mão.