Quando eu estou parado no trânsito e descubro que a minha fila parou porque os carros da frente decidiram diminuir a velocidade para dar uma olhadinha no acidente ao lado, isso me irrita e me faz questionar: que tipo de gente é essa que está seguindo o seu caminho mas precisa parar para contemplar a desgraça dos outros?
Se esse tipo de sadismo me deixa desesperançoso da humanidade, imagine o tipo de gente que não apenas contempla a desgraça dos outros mas compartilha a sua própria para que os outros a contemplem.
Eu já achei completamente apelativo, insólito e narcisista quando Whinderson Nunes teve o sangue frio de pegar a mãozinha de seu filho recém-morto, ajeitá-la em seu dedo, procurar o melhor ângulo e bater uma foto para publicar o cadáver em seu Instagram.
Eu seguia o cara na época e não esperava ver isso. Parei ali.
Esse fim-de-semana o Primo Rico deu uma subida nessa régua.
Confesso que eu não parei na estrada para ver esse acidente. Não tive coragem. Não gosto de ver isso.
Porém acredito nos relatos de todos que viram e ficaram inconformados. O cara postou a foto do seu filho abortado, sangrando, com alguns comentários sobre o feto já ter dedinhos e etc.
As pessoas hoje expõe a vida inteira na internet, inclusive a morte também. E quando aparecemos para comentar dizem “respeite a minha privacidade”.
Sinceramente, tarde demais.
Segue o que eu acho disso.
Postar o cadáver ainda quente do seu filho não parece um comportamento convencional e nem humano.
Eu nunca perdi um filho.
Mas eu já perdi meu pai. Seis meses depois perdi a minha Irmã. E eu nem vou precisar ser tão dramático assim para chegar onde quero. Eu já perdi um emprego. Eu já perdi um vôo. Eu perdi recentemente o carro em um estacionamento. Em nenhum desses casos o meu impulso primário foi sacar o celular do bolso pra fazer um vídeo e postar o meu drama para que todos vejam a minha desgraça e deixem um like.
Como ser-humano, em cada perda que eu tive, seja grande ou pequena, os meus primeiros impulsos foram mais ou menos esses, nessa ordem: ficar chocado, sentir a dor, lamentar, respirar fundo, tentar resolver, contrair o trauma, tentar superá-lo e correr atrás do prejuízo.
Sacar o celular com o defunto ainda fresco e fazer uma publicação sobre ele passou longe de todo primeiro impulso que eu já tive toda vez que eu sofri alguma perda.
Mais alguém aí é assim? Ou eu que sou anormal?
Não se confundam. Eu não estou afirmando aqui que as coisas ruins são sacro-santas. Eu faço sim piadas com muitas desgraças que acontecem comigo e no mundo. Essa é uma boa maneira de lidar com isso. Quando você pode rir de um problema, significa que de fato você é livre dele.
Eu não estou falando aqui sobre criar um cone sagrado de silêncio em cima das coisas ruins que acontecem. Estou questionando o que há de revelador nos primeiros impulsos de um ser-humano.
Como na comédia, o timing é tudo.
Tempos depois, toda ferida cicatriza. É quando o emocional se torna racional que eu posso brincar para a minha audiência que, por exemplo, o meu pai morreu, e criar assim identificação com outros que passaram por isso e mostrar que as coisas podem ser mais leves. Ou eu posso fazer um vídeo do cadáver do meu pai recém-falecido no chão e postar para que todos vejam.
Creio que a clara diferença entre essas duas coisas revela as intenções e a pessoa por trás de cada ato.
Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis.
Porque haverá homens amantes de si mesmos (…)
Sem afeto natural
2 Timóteo 3:1-3
A humanidade sempre foi egoísta. Sempre foi amante de si própria. Porém, um alerta como esse evidencia que nos últimos dias isso seria muito mais comum do que o considerado normal, seria viral.
Seriam as redes sociais a grande causadora desse narcisismo epidêmico?
Denzel Washington mandou a real aqui:
Quando você sacrifica o seu próprio luto e entrega o cadáver do seu filho no altar do engajamento social fica claro que o seu deus não é outro senão o seu próprio ego.
Vale a pena trocar a sua alma por um like?
Um dos melhores textos seus Danilo. Parabéns.
Venho também deixar meu completo repudio a quem fotografa e grava acidentes e joga na rede, sem se preocupar com a dor das famílias.
Compartilho do seu assombro Danilo. Não sigo nem conheço nem ligo pra esse fulano. Mas o comportamento dele diz muito sobre o tempo que vivemos.