Por Rodrigo Duarte Garcia
Introdução
Relativistas são uma espécie curiosa. Quando pensamos que a coisa toda já desceu a níveis abismais, lá vão eles a comparar a sonata para violoncelo de Rachmaninoff a um batuque de tambor no mato, o Paraíso Perdido a uma letra de rap, paisagens de Turner aos grafites da esquina. E tome citações de Protágoras (essa gente nunca leu Platão?), acusações de esnobismo e de uma visão elitizada da cultura. Como é mesmo a frase de Leo Strauss? Se todos os valores são relativos, canibalismo é só uma questão de gosto? Bem, mas antes que alguém comece a falar no movimento antropofágico e no mictório de Duchamp, é preciso desfazer alguns mal-entendidos.
Em primeiro lugar, seria besteira negar que a apreciação estética é individual e que acontece no sujeito. Mas o fato é que as qualidades do objeto são intrínsecas a ele. Há algo comum a todas as grandes obras de arte, algo que compõe a sua própria essência. Talvez, como dizia Santo Tomás de Aquino, três atributos principais: integritas (inteireza); consonantia (harmonia, proporções adequadas) e claritas (a claridade misteriosa pela qual a forma concreta participa da beleza transcendente que existe na ordem da realidade).
Concorde-se ou não com ele sobre aquelas qualidades específicas – e ficaríamos aqui o dia inteiro –, sobra ainda a pergunta de um milhão de dólares: seriam esses atributos perceptíveis igual e objetivamente por todos os receptores? Ao menos em potencial, evidentemente que sim. E aqui parece estar o objeto central de toda a confusão: a apreciação da arte só pode ser feita na experiência humana, requer treino e educação. Requer sujeitos com juízos de gosto treinados na universalidade, juízos que se sobreponham às diferenças individuais, culturais, temporais, e que assim consigam minimizar ao máximo as inevitáveis influências externas para apreender a essência do objeto e da obra experimentada.
E, entre outras coisas, esse juízo deve ser moldado no convívio com os clássicos. Eliot dizia que o sentido histórico é indispensável a qualquer um que pretenda continuar poeta depois dos vinte e cinco anos. Ou seja, colocar um artista lado a lado com os seus antepassados é um princípio de estética. E isso porque somente a noção exata da arte no tempo dá a possibilidade de comparação, de percepção das constantes comuns a todas as grandes obras, ao longo da história.