#CriseDaFelicidade
Ao que parece, grande parte das sociedades mais desenvolvidas do ocidente esqueceu-se das condições essenciais para o florescimento humano
No último dia 7, o historiador e colunista de opinião do The New York Times David Brooks publicou um artigo cuja ideia de fundo não é nova, mas, como sói acontecer, é dessas repetições que são sempre necessárias. Repercutindo uma recente pesquisa do instituto Gallup, realizada em 142 países, Brooks expõe duas tendências mundiais em termos da autopercepção que as pessoas têm sobre suas próprias vidas. O número de pessoas que sentem que suas vidas são boas e se sentem realizadas cresceu, em média, sobretudo em países pobres. Apenas 7% da população estudada afirma estar passando por sofrimento profundo; é o menor índice desde 2007. No entanto, o mesmo estudo aponta um outro dado importante. Nos países mais desenvolvidos, especialmente na Europa e na América do Norte, o número de pessoas que afirmam estar florescendo ou prosperando em suas vidas caiu de 67%, em 2007, para 49%.
Os mesmos dados são confirmados pelo time do Global Flourishing Study, com pesquisadores de diversas universidades americanas. Segundo a percepção de um dos coordenadores do projeto, a razão é que as sociedades “ganham o que elas buscam”: se o objetivo é a riqueza, elas serão mais ou menos bem sucedidas, mas sob o preço do esgarçamento do tecido social e do desenvolvimento moral e espiritual que envolve seus membros e que, por sua vez, constituem condições de possibilidade da prosperidade do ser humano como um todo.
Já no século IV a. C., Aristóteles dizia que sendo miserável, sem amigos e, inclusive, muito feio, ser feliz torna-se uma tarefa muito difícil, se não impossível. Mas tais condições podem ser necessárias, mas claramente não são suficientes. Contudo, ao que parece, grande parte das sociedades mais desenvolvidas do ocidente esqueceu-se das outras condições essenciais para o florescimento humano das quais também fala o filósofo de Estagira. Particularmente, nunca fui fã de teses fatalistas sobre declínio do ocidente, ao sabor do clássico de Spengler. Quando alguém afirma ter descoberto uma chave de leitura da história humana que permite desvelar certo percurso determinista, suspeite: ou o sujeito está tentando legitimar de antemão um caminhão de atrocidades ou está tentando esvaziar sua carteira; em grande parte das vezes, está querendo fazer os dois. Mas o que parece ficar evidente, tanto com o estudo do Gallup quanto do GFS é algo de outra natureza.
Uma parte considerável do horizonte de sentido que é constantemente propagandeado nos países ocidentais depende essencialmente do desprezo de traços e características que sempre foram fundamentais à vida humana. Elementos como a sensação de pertencimento a uma comunidade e o senso de propósito da própria vida são aspectos que devem ser construídos sobre bases e valores muito distintos daqueles necessários ao que hoje se entende por uma “vida de sucesso”. As noções que imperam hoje sobre o que significa ter uma vida desenvolvida e próspera aterrorizariam até o calvinista de Weber. Assim, não é preciso comprar totalmente um pacote como o de Spengler para identificar que o caminho que escolhemos não vai bem. Aristóteles definiu a felicidade, em sua Ética a Nicômaco, como uma atividade da alma, segundo a virtude perfeita numa vida completa. Embora a interpretação mais sofisticada da definição demande mais do que posso fazer nestas linhas, é fácil perceber que abandonamos seus componentes principais. Tentamos ser felizes apenas pelos prazeres do corpo, segundo disposições e hábitos que pouco se importam com as virtudes e de maneira instantânea. Ninguém tem paciência para esperar construir uma vida moldada por virtudes. Infelizmente, talvez teremos de pagar o preço de ver a tão louvada prosperidade ocidental dos últimos duzentos anos esfarelar sob o peso da nossa própria insatisfação.
Bah. Triste mas de pleno acordo. E talvez essa seja a condição mais importante para nosso futuro a ser considerada. A outra condição já está consignada em Ensaios sobre o Absurdo do Nobel, Albert Camus.
Por isso que surgem cada vez mais bugigangas de todo tipo, materiais e não materiais, coisas, ideologias e tecnologias, prometendo preencher um vazio e dar sentido a algo que falta, mas que não conseguem preencher esse algo, por mais que ilusoriamente afirmem que conseguem.