Dizem que o selvagem já não existe em nós, que estamos no extremo da civilização, que tudo já foi dito e que é tarde demais para ser ambicioso. Mas estes filósofos presumivelmente esqueceram os filmes. Eles nunca viram os selvagens do século XX observando as imagens. Eles nunca se sentaram diante da tela e pensaram que, apesar de todas as roupas que usavam e dos tapetes que tinham aos pés, nenhuma grande distância os separava daqueles homens nus de olhos brilhantes que bateram duas barras de ferro uma na outra e ouviram naquela clangor uma amostra da música de Mozart.
Virginia Woolf, “The Cinema” (1926).
Mesmo com mais de cem anos desde o seu lançamento, O gabinete do Dr. Caligari continua sendo um filme fascinante. Isso se dá menos pela sua história em si, que, de certa maneira, é bastante convencional: uma trama de mistério, loucura e terror. É a maneira como essa história é contada que faz de Caligari um filme atemporal. O Expressionismo alemão, como nota Fred Botting, em efeito, continuou e reinventou o Gótico para a modernidade. Mais do que uma atualização de temas e narrativas, esses filmes, ao se utilizarem de uma forma de expressão moderna (o cinema) direcionada para outro fenômeno social moderno, a cultura de massas - e fez isso com uma linguagem associada a um movimento estético vanguardista igualmente moderno (o Expressionismo). Ao narrar tramas com assassinos bizarros, cientistas insanos, contos de fadas, ficção-científica e suspenses policiais cujos vilões são gênios do crime, o Expressionismo forneceu - e até hoje fornece - um amplo repertório visual e temático que influenciaria incontáveis filmes posteriores.