“No eros começam as responsabilidades”. Eis a grande lição filosófica da obra de Mark Lilla, autor de dois livros fundamentais para se entender o que ocorre agora no Brasil e no mundo — A mente imprudente: os intelectuais na atividade política e A mente naufragada: sobre a reação política.
A frase acima é uma referência irônica a dois sujeitos que sempre viram como óbvia a relação entre vida política e vida do espírito. O primeiro, W.B. Yeats, que, com seu famoso bordão “nos sonhos começam as responsabilidades”, foi, além de poeta, senador na Irlanda independente em 1922, sabedor de que a confusão do parlamento era mais uma amostra daquele “fascínio pelo que é difícil” típico de quem gosta de se intrometer nos assuntos dos homens. O segundo, ninguém menos que Platão, o filósofo a quem todos os filósofos posteriores devem se curvar, e que afirmava que o ser humano era dominado por uma paixão demoníaca — o eros — que o podia elevar às alturas ou, se não possuísse autodomínio suficiente, fazer com que se comportasse como o mais vil dos animais.
Mark Lilla narra a tensão erótica que se impõe quando os intelectuais praticam duas coisas extremamente perigosas — e que sempre foram as preocupações de um Yeats ou de um Platão, ambos, por coincidência, possuídos por seus demônios autoritários. Tal tensão se manifesta no momento em que esses guardiães do “anseio pelo Belo” esquecem-se das suas responsabilidades concretas ao defenderem, direta ou indiretamente, tiranos de esquerda ou de direita, destruidores de vidas humanas — e também ao resolverem, justamente para permanecerem nessas realidades alternativas, enquadrar todo o curso da História em uma única corrente narrativa que reduziria a complexidade da nossa experiência neste mundo.