Por Rodrigo Duarte Garcia
Em 1961, dois anos antes de morrer, o escritor irlandês C.S. Lewis publicou o pequeno ensaio An Experiment in Criticism, propondo uma experiência simples – mas muito interessante – de crítica literária: julgar os livros não apenas por si mesmos, mas especialmente pelo tipo de leitura que poderiam proporcionar. A ideia era transferir a atenção isolada da obra e examinar as qualidades e defeitos que fazem um bom ou mau leitor. Naturalmente, as investigações não pretendiam ter o caráter de um método científico rigoroso ou qualquer coisa aborrecida do gênero, mas apenas mostrar que, se a apreciação estética é uma experiência individual, os livros podem e devem ser julgados pela leitura que deles fazem os melhores leitores. Bem, no final das contas, é exatamente por essa razão que você lê com interesse os comentários de Nabokov sobre Jane Austen, mas não perderia um minuto com o que a sua tia – fã incondicional de livros de autoajuda – teria a dizer sobre Mansfield Park.
Lewis identifica nos iliterários algumas características em comum, como a sua completa incapacidade de distinguir um ritmo bem construído e a exigência de que algo esteja sempre acontecendo na história. E mostra por que muitos intelectuais também se incluem nessa categoria dos maus-leitores, enxergando a literatura sob todos os pontos de vista possíveis – sociológico, filosófico, religioso, político –, menos artístico. Afinal, livros são essencialmente obras-de-arte e é assim que deveriam ser lidos e amados, em primeiro lugar.
Mas, para ele, o pior dos leitores é o que perdeu – ou simplesmente abandonou – a experiência essencial da imaginação e da suspension of disbelief: aquele incapaz de ler uma obra de ficção que não seja estritamente realista. E aqui é interessante notar que a esmagadora maioria dos leitores que se pretendem sérios (na falta de palavra melhor) faz atualmente parte desse grupo de maus-leitores. A consequência disso – ou causa, dependendo do círculo vicioso ontológico da questão – é que a literatura moderna séria & respeitável também está em grande parte composta por obras realistas, feitas de histórias verossímeis e identificáveis com a experiência ordinária do mais ordinário dos homens.
O que é no mínimo estranho, convenhamos. A própria razão de ser da literatura é ocupar-se do excepcional e, até o século dezenove, as histórias sempre foram contadas justamente porque havia nelas algo de interessante e extraordinário: “As atribulações de Aquiles ou Rolando foram contadas porque eram excepcionalmente heroicas; o fardo matricida de Orestes, porque era um fardo excepcional e improvável; a vida de um santo, porque era excepcionalmente sagrada; a má-sorte de Édipo, Ballin, ou Kullervo, porque também era algo além de qualquer precedente. (...) Se somos tão radicalmente realistas a ponto de afirmar que a boa ficção deve ser ‘como a vida’, teremos contra nós a prática literária e a experiência de quase toda a raça humana”.
O insight de C.S. Lewis é realmente interessante e lembra a enorme importância do enredo nas obras de ficção. “Sobre o que é este livro?” não é uma pergunta irrelevante, como faz parecer a literatura na modernidade. Ao contrário, a estrutura identificada por Aristóteles na Poética – ação por meio de enredo – é mesmo essencial. Naturalmente, não se pretende aqui relegar a linguagem a uma posição menor e secundária, mas é o enredo que aprofunda as situações e imagens que causam no leitor maravilhamento, terror, piedade e as outras inúmeras pequenas transcendências de uma grande obra de ficção.