#FogoNaMenteDosHomens (5)
Uma leitura inusitada da saga "Duna", de Frank Herbert a Denis Villeneuve
[Leia a quarta parte do ensaio]
O fogo se espalha
“Há dois tipos de guerra no deserto: guerra religiosa e guerra política. Em uma guerra política, você faz acordos, mas em guerras religiosas, nós exterminamos a todos.”
Abdullah bin Faisal Al Saud
Logo no início da continuação do épico arquitetado por Denis Villeneuve, uma cena chama atenção: após emboscarem e matarem um pelotão de Harkoneens no deserto, os fremen tiram toda a água dos corpos dos mortos para armazená-la. A lei da sobrevivência se faz imperiosa, e Paul Atreides observa enquanto Chani suga, com um aparelho, a água do corpo de um homem; o detalhe sombrio é que o Harkoneen está ferido, mas não morto, isso não impede a fremen de “secar” o moribundo sob o olhar admirado de Paul. Lady Jessica, ao entender o que está a acontecer, não consegue segurar o seu asco e vomita nas areias de Arrakis.
Tal cena pode parecer um mero registro de uma prática de sobrevivência, ainda que cruel, mas ela terá importância e significado maior quando ao final do filme, agora liderados por Paul Muad’Dib, os fremen não mais recolhem a água do corpo dos inimigos, e simplesmente queimam os corpos sem nenhum receio. Este é o impacto da presença e ações de Paul Atreides, por quem os fremen abandonam seus mais arraigados costumes em nome de uma causa. O arco da comunidade do deserto é a realização da mentalidade jihadista que permeia todo o filme, e tal preocupação é tão evidente que o diretor nem sequer precisa colocar na boca de algum personagem a palavra jihad. Basta olhar e ouvir para entender as intenções do diretor: denunciar, assim como Frank Herbert denunciou, o messianismo apocalíptico que arrasta e devasta indivíduos, comunidades e nações, independente de qual forma este se expresse na realidade política e social de um país em determinado momento histórico.
Se Duna Parte Um é um filme que tem como foco as ideias, com personagens esmagados por forças que não compreendem, por meio de sua narrativa contemplativa e de rigor formal, o segundo longa terá como fio condutor as consequências dessas ideias. Não é de surpreender, portanto, que Villeneuve tenha como objetivo criar um arrebatador filme de ação, e assim prezar mais pelo dinamismo dos conflitos épicos, batalhas e escaramuças violentas, intrigas e conspirações sangrentas. Caos, terror e barbárie espalham-se como fogo pelas dunas de Arrakis, arrastando a todos para a ruína. Não será à toa que, nesta segunda parte, o próprio filme pareça caótico e desestruturado; tal impressão é reforçada ainda mais quando entendemos que Villeneuve está a montar uma imensa peça narrativa, com elementos claramente shakespearianos, e que estamos exatamente no meio da história, no coração da tempestade.