#GuilhotinaMetafórica
Terror, fuzilamento e fome: toda utopia tem seu campo de extermínio real ou metafórico
Todo mundo sabe. A guilhotina é um símbolo da Revolução Francesa, não do bolchevismo. Mas, na pressa de parecer feroz e engajado, muitos são os mestres ilustrados da universidade que vão empilhando referências. Coerência, honestidade e generosidade teórica são prioridades para poucos, raros e valorosos professores.
A lâmina que cortou a cabeça do rei, também degolou Robespierre. E daí? A igualdade tem esse caráter, não é? E, se for pela justiça social, camponeses podem ser transformados em inimigos do povo, fuzilados ou deixados para morrer de fome? Claro. É preciso combater o opressor. Repita muitas vezes. Não vai se tornar verdade, mas você vai agir como se fosse.
Para uma grande maioria, não importa se é Robespierre ou Stálin que segura o machado. O papel de redentor cabe a quem milita do lado certo. Para quem acredita na redenção pela lâmina, qualquer pescoço pode estar na mira. Até de uma menininha de 5 anos. Metaforicamente, claro.
A história humana não é uma história de luta de classes. É uma história de luta pela sobrevivência. A ideia de que tudo pode se resumir à guerra entre pobres e ricos é um simplismo recente. Alguns intelectuais decidiram que poderiam não só explicar o mundo com uma fórmula simples e redentora, mas fazer o roteiro da história do futuro – com todo o absurdo e horror que essa ideia carrega.
A fórmula é tão antiga quanto veementemente ignorada por esses roteiristas. A mitologia e a literatura estão cheias de exemplos sobre o orgulho e a arrogância. Mary Shelley já desenhava, em seu Frankenstein, uma versão muito contemporânea dessa mesma fórmula. A promessa de criar o paraíso na terra e o homem perfeito – seja o proletário, o patriota, ou o cidadão ideal – sempre pressupõe a monstruosidade. Bem no centro de toda utopia, há um campo de extermínio.
Essa crença atravessou o século XX e as consequências ainda nos cercam. E mesmo assim, persistimos. Ainda falamos sobre bolcheviques e nazistas como se houvesse algum modo racional de defender um grupo ou outro. “Movimentos sociais”. “Lutavam por justiça”. “Queriam um mundo melhor”. Procurar lógica nisso é quase como tentar limpar o quintal jogando comida para pombos.
A primeira coisa que precisa ser mantida, para que essa defesa seja possível, é a firme crença de que eles estavam em campos opostos. Mas será que essa oposição é sólida? Ou são só métodos distintos e obsessões complementares?
Ambos foram totalitários. Ambos se alimentaram do ressentimento. Ambos acreditavam que a história lhes dava razão. Ambos desprezavam a vida, a liberdade e a propriedade em nome de uma causa maior. E ambos deixaram um rastro de cadáveres em nome da salvação. Por um momento, inclusive, não se uniram para atacar a Polônia? São variações de um mesmo delírio doentio: o de que cabe a um grupo de pessoas “bem-intencionadas” salvar a humanidade.
Nietzsche considerava o ressentimento como algo muito criativo, um gerador de valores invertidos, que transformam fraqueza em virtude e ódio em justiça. É essa moral que se ensina e se aplaude em muitas universidades.
Foi ela que se manifestou, recentemente, diante de uma foto de família. Todos já sabem. Entre muitos comentários, dois professores e uma psicóloga chamaram atenção. Comentaram a foto da filha de Roberto Justus, uma criança de cinco anos, com uma bolsinha de grife.
Esses “profissionais”, diplomados em áreas como psicologia e comunicação, olharam para a família e sentiram uma indignação incontrolável. Escreveram, apertaram o enviar, como se cada toque representasse um gesto nobre de protesto contra a simbologia da imagem repugnante. Um deles afirmou: “os bolcheviques estavam certos”. O outro respondeu: “só guilhotina..” A psicóloga completou: “tem que mtr mesmo! PQP!!!!!!”. Nietzsche explica.
O professor entusiasta da guilhotina já havia guilhotinado metaforicamente inúmeras outras pessoas. Numa dessas vezes, quis enfatizar: “não é metáfora”. Em outra circunstância, afirmou que adoraria ter o emprego de operador de guilhotina. Em outra oportunidade, se mostrou conformado com o atraso da nossa sociedade, esperançoso de que um dia a guilhotina deixasse o plano metafórico: “De retrocesso em retrocesso, espero que um dia ainda voltemos aos tempos da guilhotina. Pena que muito provavelmente já não estarei vivo pra testemunhar...” A solução para o que ele considera os males do mundo: guilhotina. O avanço e progresso que ele quer para a humanidade: guilhotina. Aposentado, quantos alunos formou com o ideal da guilhotina? Como bem disse Danilo Gentili, não há animus jocandi...
O professor e a psicóloga, acuados pela repercussão e pela resposta do empresário, apresentaram um textão de justificativa. Não era um protesto? Não queriam atenção?
Usaram a palavra desculpa, mas foi só metaforicamente. Nenhum deles recuou. Como conseguiriam fazer isso? Dobraram a aposta, argumentaram em defesa do protesto, do “contexto”. Afinal, falavam em nome do coletivo, contra a injustiça social, a favor da luta de classes. Defenderam os bolcheviques como movimento social, que lutava por igualdade. São parte de um movimento muito maior do que aquela menininha e sua bolsinha cara. É a crença deles. A fé pela qual vivem. Fanatismo em estado virtualmente bruto.
O professor, empoderado por já ter ocupado cargos em governos do PT, é um exemplo perfeito do que se tornou o ensino superior. Onde se cultiva o ressentimento e a militância como virtude curricular. Onde diplomas são entregues a imbecis, desde que sejam estúpidos no partido certo.
A psicóloga, que se diz especialista em saúde mental, desculpou-se revelando a podridão de sua própria mente. Ela tem “responsabilidade afetiva” e “jamais atacaria uma criança”. O intuito era falar “contra a desigualdade social”. “Mulher preta”, “com privilégios” por ter diploma universitário. Mas ainda assim “vende o almoço para comer a janta”... “ao passo que” uma menina de cinco anos tem a audácia de andar com uma bolsa de R$ 14 mil. Dessa vez, ela omitiu o “tem que mtr mesmo, pqp” e evitou os pontos de exclamação.
Numa cena do filme Albert Camus, dirigido por Laurent Jaoui, há uma síntese desse comportamento que desmente a grande verdade sartreana. Ao contrário do que Sartre afirmava, não estávamos condenados à liberdade. Sua atuação, assim como de outros muitos de seus colegas intelectuais, acabou por condenar uma parcela da humanidade a viver como refém do revezamento entre duas formas de totalitarismo que amam se odiar.
Camus denunciou os soviéticos em O homem revoltado porque sabia que a verdade não tem lado e demanda coragem. O totalitarismo deveria ser combatido em todas as suas formas. Qual justiça pode ter por princípio e valor a produção de cadáveres? Mesmo que forem metafóricos. Não há adversativas capazes de sustentar isso.
Perfeito 👍 Laís! Tomo a liberdade de lembrar que a Marmita do Presidiário Presidencial e a deputada com testículos e fimose costumam portar bolsas de 14 mil reais, com a diferença fundamental que estas foram pagas por nós.
Muito bom Laís! Acrescente também aos nazistas e bolcheviques a justificativa de estupro sistemático por terroristas como "luta por resistência" aceito por muito gente, inclusive porfeministas.....