Disposto a conservar (o que é bom)
Reduzir ou julgar um filme a partir de suas características ideológicas é um ato de castração imaginativa. Para evitar tal absurdo, eis alguns esclarecimentos necessários, diria até, vitais, ao menos ao educar a imaginação.
Aqui, não buscamos enxergar ou transformar o conservadorismo em uma espécie de ideologia, manual ético ou político de ação, mas falamos daquela visão do conservadorismo como uma ‘disposição’ ou um ‘temperamento’, sejam estes frutos de escolhas pessoais ou apenas algo que surge naturalmente. O que importa é que todos a temos, em maior ou menor grau, mais ou menos conscientemente.
Podemos apresentar essa disposição conservadora, que já foi definida com maestria por autores como Michael Oakeshott, como sendo aquilo que nos faz escolher o familiar ao desconhecido; que nos leva a compreender que a sociedade em que se nasce, cresce e vive, carrega valores, ideias, instituições, crenças, e até uma gramática - essencial para que tenhamos uma comunicação verdadeira -, que merecem ser preservados, cultivados. O conservador será aquele que, ao tomar consciência desta situação, irá se preocupar com a conservação, com a proteção dessa “herança” ou desses “arranjos” que fazem uma sociedade; e, ainda mais importante, será aquele que perceberá quais arranjos são insuficientes e buscará reformá-los, cuidará deles como se cultiva um jardim.
Podemos afirmar que - com nuances sempre locais, pessoais até - toda sociedade é conservadora, busca um ordenamento, possui crenças e senso estético. E mais ainda, toda sociedade busca respeitar aquilo que Isaiah Berlin chama de ‘fronteiras da humanidade’.
O conservador será aquele que entende também que somos imperfeitos - intelectualmente imperfeitos -, e que é pretensão querer controlar todos os fenômenos sociais, querer determinar todas as relações humanas e querer controlar através de uma planilha de excel todas as infinitas possibilidades de nossas vidas. A postura do pensamento conservador com relação à política é essencialmente cética.
Mas, para que não sejamos empurrados para um pessimismo cultural, devemos lembrar também que os conservadores têm uma arraigada percepção de que somos frutos de uma parceria, “uma parceria não só entre aqueles que estão vivos, mas entre aqueles que estão mortos e aqueles que vão nascer”. E que também carregamos em nós possibilidades para o bem e para o mal, para a caridade e para o ressentimento, para a magnanimidade e para a mesquinharia - e que nossas escolhas e atos importam mais que nossas intenções. Essa sabedoria e esses valores são a principal herança que recebemos de nossos antepassados, e legamos aos nossos descendentes. E essa herança está depositada em nossa imaginação moral.
A imaginação moral
Antes de prosseguir, precisamos diferenciar a imaginação moral do discurso moralista. A primeira é expressa não apenas através de exemplos de virtude, beleza e heroísmo, mas também explora nossas fraquezas, nossa estupidez, nossos medos e demônios. Por isso, ao olharmos para uma obra de arte, devemos lembrar que nenhuma é moralmente boa ou má; se há algum efeito moral - remeto-me aqui a Northrop Frye -, ele depende inteiramente da qualidade moral do leitor, do espectador. Filmes, romances, pinturas, quadrinhos, etc. só podem ser bons ou maus dentro de suas próprias categorias, isto é, dentro das regras estéticas que imperam na sua area. Escusado reforçar que tais regras existem para serem respeitadas, mas também, refutadas, reinventadas, pois uma obra de arte deve possuir e reconhecer apenas a sua própria verdade, que se quer eterna.
Se a arte se presta a um papel ético ou político, ela já não é arte, mas está muito mais próxima da propaganda - e, pior, da propaganda ideológica. Conforme nos lembra Gregory Wolfe: “A arte não trabalha mediante proposições, mas por meio indiretos, utilizados pela imaginação.”
A arte educa a imaginação (mais uma vez, um termo de Frye), assim libertando-a. A imaginação é uma das formas mais puras de liberdade. Uma imaginação liberta, eis o melhor dos alimentos para nosso espírito.
Conforme o avanço e a popularização do cinema, que se deu ao longo do século XX, podemos enxergar na arte do cinematógrafo um novo e rico campo da imaginação. Hoje, os filmes movem e comovem as pessoas, atiçam seus sentidos. Nos fazem mergulhar em reflexões profundas, nos angustiam e nos encantam, nos fazem rir ou chorar - e é graças ao cinema que experienciamos muitas vezes aquele sentimento catártico, comunal, que cauteriza os traumas de uma sociedade. O cinema nos faz livres, nem que seja por mais ou menos duas horas.
É nesse espírito que fazemos cá estas indicações de filmes, buscando não a sua aparente narrativa ideológica, ou mesmo os desvios políticos de seus autores, mas buscando enxergar nas obras aquilo que se quer permanente, aquilo que ultrapassa as intenções mesmas de seus criadores, pois a Arte, como fruto da Graça, é sempre imprevisível e sopra onde quer. E acreditem: isso acontece mais do que imaginam nossos ideólogos de plantão, os quais, espero, hão de se surpreender com algumas das películas indicadas.