#unamuno: A Cronologia da Ilíada
Por que Homero não cantou os dez anos da guerra de Tróia, mas apenas as últimas semanas?
– por Yves Augusto
“Vem revelar-me quem seja aquele homem de aspecto imponente;
como se chama esse Acaio tão belo e de tal corpulência?
Outros heróis, é evidente mais, altos do que ele percebo;
mas os meus olhos jamais admiraram tão belo conspecto
nem majestade tão grande; assemelha-se, é facto, a um monarca.”
À primeira vista, esta frase de Príamo pode parecer um lapso de Homero. É algo bastante inusitado que o rei Príamo, engajado há dez anos numa briga contra os gregos, chamando Helena para perto, lhe revele sua ignorância sobre a identidade de um rosto incógnito, justamente o rosto de Agamemnon, o maior rival da nação. A postura do monarca troiano em relação aos inimigos não reflete um ódio consolidado por uma década de morticínios. Antes sugere certa apreciação e curiosidade, atitudes próprias de um primeiro encontro. Ademais, Príamo ignora não somente o rosto de Agamemnon, mas o de Ulisses, Ajax, e Idomeneu, heróis de grande prestígio. Homero alega que estamos no décimo ano da guerra. Contudo, diversas vezes, na Ilíada, temos a impressão de que a guerra começa não dez anos antes, com o desembarque dos Acaios na praia de Tróia, mas no início do Canto I, como se os fatos transcorridos antes da captura de Criseida, evento que marca a abertura do poema, não tivessem muita repercussão na narrativa. E essa impressão não é totalmente falsa. O autor parece poupar-nos dos detalhes históricos da luta, ou mesmo conduzir a narrativa por um caminho que dispense sua menção, muito embora, vez ou outra, ele nos revele generosamente vislumbres desse passado. Talvez assuma que o público tem uma tal intimidade com a história, que um mergulho no passado seria perda de tempo.