#interludio: A Encruzilhada da Clareza
Neste mês de Maio, José Ortega y Gasset faria 141 anos de idade.
Sentía los quatro vientos,
en la encrucijada
de su pensamiento.
Antonio Machado, Proverbios y cantares, LXIII, dedicado a Ortega
Todo grande pensador corre o risco de ser incompreendido – especialmente entre os seus admiradores. É normal na história da filosofia: afinal, um pensamento que abrange num só olhar todo o arco das ambiguidades da vida tem de provocar certo grau de incompreensão, o que só vem a confirmar sua grandeza. Contudo, há limites até para a incapacidade de entender; e, entre eles, a regra elementar – mas pouco observada até por alguns dos estudiosos mais sérios – de que, antes de se poder alimentar a pretensão de ter compreendido corretamente qualquer pensamento, é preciso devassar de ponta a ponta a alma de quem o formulou.
Ora, o problema dessa compreensão parcial diz respeito de uma maneira específica a José Ortega y Gasset (1883-1955). São justamente os seus admiradores quem pretendem reduzir sua espantosa obra filosófica a uma ciência política divulgada em periódicos. Assim, é normal vermos como resumem, com ar gaiato, cinquenta anos de esforço por entender a realidade do mundo e do seu país – a Espanha da primeira metade do século XX, uma nação profundamente violentada pelas ideologias – em um corpo de artigos reunidos em A Rebelião das massas (1930).
O próprio Ortega ajudou a criar essa confusão ao afirmar que, desde criança, quando via o pai trabalhando em seu jornal El Imparcial, sempre experimentava o ímpeto do jornalista que quer ir ao fundo do real para descobrir novos matizes, novas luzes, novas possibilidades de entender o que se passa no mundo. Mas não devemos esquecer que também criticava o empenho de muitos jornalistas em pertencer a uma pretensa “elite espiritual”, quando não passam de mergulhadores que mal arranham a superfície do real, apesar da sua vontade de flutuar sem amarras. A verdadeira profundidade, dizia ele, caberia apenas ao filósofo.
Portanto, se o jornalista Ortega sentia o ímpeto de descobrir o real, era a dama Filosofia quem lhe permitia ir às raízes das coisas – e não lhe permitia esquecer a distância que há entre a vontade e a sua realização. Sobretudo, não lhe permitia esquecer que o abismo que existe entre a primeira e a segunda é o começo de qualquer tragédia; e a sombra desta última acompanhou-o ao longo de toda a sua vida e obra e, em especial, depois da morte.