#interludio: A Identidade Viscosa
Há uma fratura das personalidades e nas mentes do nosso tempo
Frederick Forsyth escreveu o material de origem em 1971. O Dia do Chacal era o perfeito romance de aeroporto: ideal para voos longos e para salas de embarque. Uma trama rocambolesca, misturando vida real e ficção, um vilão bem calibrado, elegante, frio, monossilábico e quase infalível, de identidade desconhecida, um subtexto político e uma polícia batendo cabeça à sua procura. A trama que envolvia assassinar o então presidente francês, Charles de Gaulle, virou filme em 1973, dirigido por Fred Zinneman, com Edward Fox na pele do Chacal e Michel Lonsdale na pele do Detetive Lebel. Depois, ganhou uma refilmagem espetaculosa e mirabolante em 2004, com Richard Gere, no papel de um terrorista incompreendido e Bruce Willis na pele do Chacal.
O personagem criado por Forsyth renasce, repaginado, na versão esperta e atualizada, charmosa e ambígua, da Disney, plataforma de conteúdo familiar, careta, adepta do wokismo de ocasião. Uma surpresa e tanto, incompreensível até, considerando o momento e o contexto de uma empresa que trocou a ousadia pela conformidade do “lugar de fala” embalado para os intelectuais e pernósticos de plantão.
Pois bem, o Chacal da empresa do Mickey Mouse é pai de família, bem casado, assassino frio, meticuloso, invisível e um artista do tiro. Como na trama original, recebe um pedido de execução de alto risco e resolve cobrar os tubos para cumprir a missão, que, em tese será a última de uma “carreira”, digamos, muito bem-sucedida. Eddie Redmayne assume a pele do personagem com precisão e virtuosismo. O que o Chacal não imagina, e nem o espectador, é que ao aceitar o último desafio, ele irá perder completamente o controle sobre a vida que construiu metodicamente ao longo dos anos. Nem toda a sua disciplina, planos de contingência e múltiplas identidades serão capazes de evitar o que as circunstâncias e a inteligência britânica irão interpor no seu caminho.