#interludio: A Instituição dos Assassinos Tristes
O cinema precisa parar com as metáforas que precedem assassinatos.
Por Filipe Lima
Tudo o que um homem pode fazer depois de escrever um texto muito longo, que as pessoas cansam e bocejam no meio, é pedir algumas desculpas, e em seguida escrever um texto muito mais curto.
Algo como um perdão literário— ou algo que irrite ainda mais seus poucos leitores.
Mas será sem qualquer intenção.
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Não sou exatamente um cinéfilo. Aliás, as coisas de que gosto, em arte, consumo sempre de maneira comedida, não sei bem o motivo. Mesmo as noites em claro com hqs, mesmo o cinema de tiros, mesmo a ficção clássica e antiga. O controle, bem, como uma sabedoria última.
Nesta cartinha trato de Assassinos tristes. Em meu arquivo, no computador, há quatro textos longos que não sei bem onde postarei, mas que sairão em algum momento. Um deles se chama ‘Policiais tristes’, em que trato de um subgênero pouco comentado mas que admiro muito. Nesse gênero, os tiras (sic) estão quase sempre tentando desvendar um crime enquanto passeiam em suas viaturas, tomando café, tergiversando sobre a vida, e tentando levar uma rotina normal com sua esposa e filhos. É uma invenção dos americanos mas há bons representantes em toda parte do mundo. Dentro de uma viatura, pelo que podemos julgar por esses filmes, cabe o mais rudimentar dos assuntos. Dentro de viaturas, inclusive, já foi escrito alguns dos grandes diálogos em cinema. Talvez seja, eu não sei, culpa da inspiradora noite e tensão iminente.
E há uma espécie de tristeza elementar, claro — ‘o falar baixo, o pisar leve’ de que falava Vinicius num dos seus belos poemas sobre a melancolia a dois; e essa tristeza comove, atrai espectadores, cria identificação.
Os policiais tristes são uma instituição no cinema americano e na ficção nórdica — para ficarmos em dois exemplos que consumo. Com eles, sempre sinto essa identificação. A dura lida numa profissão complicada enquanto lutam para não esquecerem de si. Uma vitória por cada dia transpassado. Pode ser caricato e superficial, mas também pode ser muito significativo e inspirador.
Faço esse grande preâmbulo para falar de um filme. O novo Fincher, que trata não de policiais, mas de um assassino igualmente triste, metido em si mesmo. Assisti a The Killer na última sexta. Dei pauses, caminhei pela sala. Penso que Fincher seja um diretor pouco literário que faz filmes com temas que demandam alguma cultura literária dos seus realizadores. Não tenho um medidor desse tipo de cultura, mas arriscaria que o diretor é mais visual do que literário no que consome. Um diretor com mais manejo com a literatura perceberia que a narração em off do personagem nada traz de novo, é meio blasé e mesmo fluida soa meio cansada. Isso aí que ele está tentando fazer já foi melhor feito, ficamos pensando. É um Drive (bonito, como pode ser bonito um bolo de noiva), do Nicolas Winding Refn, que consegue ser ainda menor do que Drive; e bastante abaixo de Colateral, a pequena obra-prima do Michael Mann.
Em Colateral, assim como no assassino de Fincher, pouco sabemos do matador de aluguel. Sabemos o motivo pelo qual está matando e isso é tudo. Há a noite escura, o táxi, as mortes violentas, e o lento diálogo em meio ao tráfego. Porém Mann tem uma pretensão reflexiva mais contida, o que é melhor para o filme. O diálogo comezinho, crescente em tensão, que em The Killer o roteirista substitui pelo monólogo em off em que o assassino mostra o quanto pode ser vazio, desinteressante.
Esse não é um texto escrito com raiva. Assisti ao filme dando tapas no sofá, pensando: ah, ele não fez isso. É que gosto muito do David Fincher, e gosto de ver sempre as pessoas de que gosto brilhando.
Mas noto que há no cinema (e também na ficção em prosa), uma certa tendência a construir personagens à margem que são um pouco cultos. Sujeitos de vida interior, lidos.