#interlúdio: A teoria do Doutor Tonga
No Brasil, o debate se resume a uma tentativa de estupro discursivo.
Por Kovács
Veneza
Estive em Veneza há dez anos, por um dia apenas. Gostei muito. Parece uma imagem formada naqueles monóculos de plástico que se vendiam como chaveiro nos anos setenta e oitenta. É muito bonita, tressua história, mas é um lugar difícil de andar: é tudo muito estreito e apinhado de gente de todas as nacionalidades sapateando em cada metro quadrado, numa versão barroca da estação da Sé às seis e meia da tarde; andar pelas passagens estreitas, bordejando os canais, é reviver a confusão babélica. A cidade é como é porque, no século V da presente era, o povo do entroterra vêneto estava de saco cheio das incursões dos bárbaros (dos longobardos, acho) e resolveu levantar umas palafitas no banco de areia que está no meio da laguna. Veneza, em seus primeiros anos, devia ter um aspecto mais de favela do que o de città d’arte.
A estética de Veneza é favelística. O contato com a água, antes de mofá-lo, transformou aquele povo de refugiados em navegadores, e estes em comerciantes. A riqueza gerada pelo comércio com o Oriente sumiu com as taperas e trouxe os palácios construídos por arquitetos pagos a peso de ouro, ou melhor, de pimenta. Veneza decaiu depois que Vasco da Gama ganhou o Índico dobrando o Cabo das Tormentas (hoje da Boa Esperança) e tornou o comércio com o Oriente muito mais rentável, visto que não era preciso ir de Alexandria à Índia no lombo de camelos. A Sereníssima se manteve independente até o final do século XVIII, quando Napoleão acabou com a república dos doges.
Sobraram os sinais da opulência: o Palácio Ducal, a Catedral de São Marcos e as igrejas magníficas, tudo entremeado pelos canais. Fora os músicos e pintores: basta se lembrar de Vivaldi. Veneza, além de tudo, se destaca pela importância cultural. Se isso não ficar claro, é difícil entender a cidade e aproveitá-la. E o que ouço de reclamações do brasileiro classe média que para lá vai não está escrito. Veneza não é a Disney. A Disney foi pensada e construída para receber turistas; Veneza não.