Por Mark Lilla
[tradução de João Pinheiro da Silva]
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Quando você procura o que está perdido, tudo é um sinal.
Eudora Welty, “The Wide Net”
Em uma manhã nublada no final da década de 1980, visitei a igreja que ficava em frente ao meu apartamento em Paris. Estava curioso. A paróquia, Saint-Nicolas-du-Chardonnet, era na época a sede do Arcebispo Marcel Lefebvre, um opositor cismático das reformas do Vaticano II que acabara de ser excomungado pelo Papa João Paulo II. Católicos conservadores de toda a cidade se espremiam na igreja aos domingos para ouvir os cantos gregorianos e a missa tridentina recitada em latim – uma experiência bela, mas proibida.
Após a missa, um razoável número de fiéis se reuniu no pequeno pátio da igreja para conversar e folhear alguns dos livros e jornais de direita que estavam dispostos em mesas dobráveis. Quando me debrucei sobre um deles, um jovem apareceu atrás da mesa e mencionou uma loja onde eu poderia encontrar mais livros do mesmo gênero. Ele rasgou um pedaço de papel e escreveu um endereço, dizendo que a livraria não tinha placa - haviam ocorrido tentativas de incêndio em locações anteriores - e que eu deveria simplesmente bater à porta.
Fui, bati à porta, fui examinado, e depois admitido. Após passar por uma grossa cortina carmesim, descobri um amontoado de estantes abarrotadas de livros que revestiam as paredes de uma sala de tamanho considerável. Apesar das aparências, havia ordem na desordem: a coleção havia sido organizada cronologicamente de acordo com as obsessões históricas conflitantes da direita francesa.
A primeira estante de livros era dedicada ao neopaganismo da Nouvelle Droite (Nova Direita), que desde a década de 1960 tem sido inspirada pelo escritor e editor Alain de Benoist; seu Como se Pode ser Pagão? (1981) é considerado um dos textos fundacionais do movimento. Esse grupo é, de certa forma, a força mais radical, embora minúscula, da direita europeia, pois situa o Éden em um passado tão distante que culpa o advento do cristianismo, há dois milênios, pelo declínio incessante da Europa. A estante ao lado, no entanto, continha histórias que exaltavam a vitória do cristianismo sobre o paganismo e que saudavam a harmonia simples da Idade Média monástica. Ao lado desses, encontrei volumes exuberantes que celebravam a grandeza nada monástica da casa católica de Bourbon. Algumas estantes de livros eram então dedicadas à catástrofe da Revolução, com hagiografias das revoltas contrarrevolucionárias dos Chouans e dos Vendeanos.
Mais adiante, no corredor, havia livros marcadamente antialemães, com foco na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. Depois desses, previsivelmente, havia uma grande coleção de obras anti-Dreyfusardianas, todas supostamente provando que, mesmo que Alfred Dreyfus não fosse um agente alemão, pelo menos seus apoiadores eram. No entanto, na estante ao lado, encontrei biografias filo-germânicas de generais nazistas como Erwin Rommel e dos heróicos colaboradores de Vichy.
Seguiam-se livros furiosos sobre a Argélia francesa, incluindo memórias de oficiais da Organisation Armée Secrète (OAS) que resistiram à retirada francesa de sua colônia e, em represália, tentaram assassinar o presidente francês Charles de Gaulle em 1962. A última estante continha ataques aos estudantes rebeldes de maio de 1968, que também queriam derrubar De Gaulle, ainda que por motivos muito diferentes. E ao final, no chão, ao lado da caixa registradora, havia um cesto de arame cheio de fitas cassete de heavy metal racista de bandas com nomes alemães.
Um banquete ambulante de ervas daninhas.