#unamuno: Cem Anos de Desolação
O grande poema de T.S. Eliot registra os nossos momentos de desespero
por Daniel Berça
Mais de cem anos já se passaram e The Waste Land continua causando a mesma estranheza, a mesma reação de assombro e desconforto. O poema é considerado um dos mais importantes e influentes do século XX e comparado com frequência ao Ulysses de James Joyce. Ambos foram publicados no mesmo ano, 1922, e são reconhecidos como as obras de língua inglesa mais representativas da modernidade.
A primeira publicação saiu na edição de outubro de 1922, na revista The Criterion, editada pelo próprio T. S. Eliot, e, em novembro, na revista americana The Dial. Ambas sem as famosas notas escritas pelo autor. A primeira publicação do poema em livro, já com as notas, foi feita em dezembro do mesmo ano, pela editora americana Boni and Liveright.
A primeira tradução para o português foi publicada no Brasil em 1956, feita pelo escritor e poeta mineiro Paulo Mendes Campos. Saiu em uma edição limitada da Editora Civilização Brasileira, com uma tiragem de apenas 300 exemplares. Tornou-se logo uma raridade, custando pequenas fortunas nos sebos. Para nossa sorte, a Biblioteca Nacional disponibilizou a versão da obra digitalizada em seu site.[i] Em Portugal, a primeira tradução é de Maria Amélia Neto, pela Editora Ática, lançada em 1972, cinquenta anos após a publicação do poema original.
Hoje já temos muitas traduções e podemos perceber que a primeira dificuldade do tradutor é com o título. Como disse Paulo Mendes Campos: “o adjetivo ‘waste’ tem uma grande franja de significado: deserto, ermo, desabitado, despovoado, bravio, desolado, árido, inculto etc.” Paulo Mendes Campos ficou insatisfeito com a sua escolha, A Terra Inútil, mas disse que não conseguiria pensar em outro título. Ivo Barroso, Gualter Cunha e Júlia Cortês Rodrigues escolheram A Terra Devastada. Paulo Vizioli e Idelma Ribeiro de Faria escolheram A Terra Gasta. Maria Amélia Neto preferiu A Terra Sem Vida. Gilmar Leal dos Santos, traduziu como A Terra Árida. Ivan Junqueira e Caetano Galindo optaram por A Terra Desolada. Paulo Leminski disse que se fosse traduzir o poema, sua escolha seria Devastolândia. A minha preferência oscila entre A Terra Gasta e A Terra Desolada. Este último, à primeira vista, traz um aspecto mais psicológico, referente a um estado mental de desamparo, tristeza e consternação. Mas além desse aspecto, há também uma imagem de ruína, de desértico, de devastação. Na Bíblia, especialmente nos profetas, encontramos com frequência o adjetivo relacionado às profecias ligadas ao castigo de Israel ou de seus vizinhos por se afastarem de Deus. Já Terra Gasta se aproxima mais, apesar da inversão, da sonoridade original. Enfim, por não me decidir, prefiro usar o título original.
Um poema difícil como The Waste Land pode nos assustar. Tem trechos em sete idiomas distintos, há alusões a dezenas de obras literárias, religiosas, musicais. Eliot complicou ainda mais a coisa: ao perceber que o poema era pequeno para uma publicação em livro e supostamente para livrar-se da acusação de plágio, incluiu ao final uma seção de notas que fazem ainda mais alusões e até hoje geram muita discussão. Há um volume imenso de teses, estudos, papers, não apenas sobre a interpretação do poema, o que seria natural, mas sobre o papel que as notas desempenham nele. E os estudiosos se dividem a respeito do quanto essas indicações são sérias e se devem ser consideradas elucidativas ou se, pelo contrário, servem mais para nos despistar, ou, ainda, se passaram a ser matéria poética, fazendo parte do próprio poema.