#interludio: Eça visionário
A obra do escritor português foi a precursora das nossas aflições
*Por Adaubam Pires
Das coisas que mais me intrigam é a estátua de Eça de Queiroz no Rio de Janeiro. Esculpida em mármore, uma mulher (supostamente a Arte) coroa de louros o medalhão em bronze patinado contendo o busto do grande escritor. Este, por sua vez, com seu característico monóculo, franzindo o cenho, perscruta meio desconfiado a sinceridade daquele ato. Mais do que o ceticismo no olhar de Eça, intriga-me a inusitada localização do monumento: na boca do Túnel Novo em Botafogo, no meio de uma avenida em que veículos transitam em alta velocidade, numa área inóspita e proibida aos pedestres, em frente a um shopping-center sem janelas para o exterior — em suma, num lugar onde ninguém passa, ninguém pára. Recentemente foi feito um restauro grosseiro no vandalizado nariz da Arte, que mereceu a inscrição “eu teria restaurado melhor” no rosto da deidade, o que parece ter deixado Eça ainda mais inquisitivo. Sempre que passo por lá (como todo mundo, em alta velocidade), não deixo de me perguntar o que o escritor português fez para merecer isso.
Assim como sua estátua no Rio de Janeiro, Eça de Queiroz é um autor meio relegado a escanteio no Brasil de hoje em dia. Talvez o fato de ter constado até pouco tempo atrás em listas de leituras obrigatórias de exames vestibulares tenha contribuído para isso. Eça de Queiroz nunca poderia ser leitura obrigatória. Seguindo aquela lógica do Maugham, Eça deve ser lido eminentemente por prazer. Sejam seus ensaios, sejam seus contos, sejam seus romances, é sempre um prazer ler Eça de Queiroz.