#Interlúdio: entre Platão e Joe Louis
Martin Luther King – em seu Why we can’t wait, livro publicado originalmente em 1964 –, conta uma história que acabou virando uma espécie de lenda urbana. Diz Luther King que
um dos estados do sul adotou um novo método de pena capital. O gás venenoso substituiu a forca. Em seus estágios iniciais, um microfone foi colocado dentro da câmara de morte selada para que observadores científicos pudessem ouvir as palavras do prisioneiro moribundo e assim julgar como o ser humano reagia diante dessa situação inédita. A primeira vítima foi um jovem negro. Quando a cápsula caiu no recipiente e o gás subiu em espiral, ouviu-se pelo microfone as seguintes palavras: “Salve-me, Joe Louis. Salve-me, Joe Louis. Salve-me, Joe Louis...
Joe Louis foi um dos maiores nomes da história do boxe, mantendo o título de campeão mundial dos pesados por 12 anos, de 1937 a 1949. Mas muito mais do que isso. Louis foi um bastião da causa e da identidade negra nos EUA. Neto de escravo, foi o primeiro negro a alcançar status de celebridade e herói nacional. Suas duas lutas contra o alemão Max Schmeling – em 1936 e em sua vitória por nocaute já no primeiro round na luta de 1938 – ajudaram a moldar o discurso e o sentimento antinazistas e antirracistas. Assim, não é de se estranhar que o pobre condenado à câmara de gás – esta, na América – clamasse por Louis em seu momento final. Se alguém ali poderia salvá-lo, esse alguém seria Joe Louis.
Não sabemos, contudo, se a história é verídica. Mas ela ilustra bem muitas coisas. Entre elas uma tese do filósofo americano Richard Rorty, falecido em 2007. Em um dos seus ensaios presentes na coletânea Philosophy as Cultural Politics (2007), Rorty diagnostica que o ocidente passou da fé na salvação por Deus, para a redenção pela filosofia para, por fim, esperar a redenção pelo que chama, em linhas gerais, de literatura. Ou seja, de uma esperança em uma relação não-cognitiva com um ser não-humano – a religião – para uma esperança no poder cognitivo sobre proposições abstratas – a filosofia ou, quem sabe, a ciência – para, por fim, depositar suas as esperanças em relações não-cognitivas com outros seres humanos, mediadas por artefatos como livros, músicas, obras de arte etc.
No início deste Tríduo Pascal, eu, Gabriel, espero pela redenção no Ressuscitado. Mas não consigo me esquecer da sofrida verdade presente nos versos de Geoffrey Hill: “God / Is distant, difficult. / Things happen”. Também sei que por vezes, é a crença nas ideias belas, boas e verdadeiras que redime e o “divino Platão” nos lembra da luz do lógos. Mas por outras, precisamos de um amigo ou de um herói. E se ele possuir um cartel de 66 vitórias, sendo 52 por nocaute, melhor ainda.
Feliz Páscoa.
Este é talvez o texto mais bonito que já li no NEIM. É incrível a profundidade que Gabriel conseguiu concentrar num texto tão breve. Feliz Páscoa a todos!
Feliz Páscoa!