– por Pedro Rocha Souza
« The supreme importance
Of this nameless spectacle
Sped me by them
Without a word»William Carlos Williams
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Dos muitos temas aos quais um artista pode se voltar, os cotidianos, os da vida de todos os dias, talvez sejam os mais desafiadores. E desafiadores não porque sejam eles estéreis ou desimportantes; mas desafiadores justamente porque a sucessão dos eventos que os compõem faz muitas vezes com que eles se tornem insípidos para nós. Mais: essa sucessão de eventos, onde tudo se confunde, ajunta muitas vezes uma brevíssima beleza a uma homérica futilidade, como um belo acorde que se perdesse numa dissonância; como tímidas palavras de amor ditas entre os alaridos duma algaravia.
Assim, para qualquer artista talvez não haja virtude mais apreciável do que aquela keen observation da qual tanto falam os americanos. É ela quem tornará o artista, para dizê-lo nas palavras de Rodin, o confidente da natureza (e por natureza entende-se tudo aquilo que há sob o sol); é ela quem lhe dará aquele ar de ourives: o artista vasculhará terras e homens, e limpará, lapidará e engastará numa forma em que se possa ver melhor, tudo aquilo de valioso que encontrou. É só depois destas singelas belezas salvas de uma futilidade homérica que poderemos dizer, como Keats: ‘‘a thing of beauty is a joy forever’’.
Nesta tarde, é assim, como jóias de uma fineza irrepreensível, que aparecem para mim os quadros de Van Wieck. De um cotidiano que às vezes possa nos parecer tão exaustivamente conhecido, os olhos do pintor tomam da vida um gesto, um olhar, uma cena, e, desse modo, transfigurado pela imaginação de Van Wieck, o real já nos aparece naquilo que tem de mais poético. Seus olhos parecem estar atentos a tudo, e em tudo parecem sempre encontrar beleza: ora ele a encontra numa garota solitária sentada num dos assentos de um vagão de metrô, como em Q-train, ora numa praia lotada, com cores em profusão, como em Back to the Island; ora, ainda, num ambiente silencioso como o de The Staten Island Ferry. Van Wieck atravessa paisagens, passa por vários homens e mulheres, e desta longa caminhada que parece ser sua arte, retira dela um instante de beleza que fixa através dos seus pincéis.