#interludio: O Torpor da Guerra
O nosso mundo de ontem não é mais o mundo do nosso futuro
Por Cléobulo B. Oliveira
Na segunda metade do Século XVI, durante os anos de 1562 à 1598, aconteceram na França as Guerras de Religião, um longo período de hostilidades e agitação popular entre protestantes e católicos. A princípio não dei a devida atenção a este período turbulento que compreende os 30 anos derradeiros da vida de Michel de Montaigne. Ele abriria mão do seu cargo de Conselheiro em 1570 — quando a guerra já durava quase uma década —, isto se dava após dois duros golpes que sofrera em 1568 e 1569, respectivamente a perda de seu pai, com quem tinha forte ligação, e a sua fracassada candidatura à Grande Câmara do Parlamento. Montaigne então confinou-se em seu domínio senhorial, onde começaria a escrever os Ensaios.
Estava tão interessado em outros aspectos da história de Michel de Montaigne, que, ao ler certo relato condensado de sua vida, havia deixado passar este detalhe, mais destacado por Stefan Zweig em seu ensaio biográfico do mestre francês. Ao começar a leitura do ensaio, logo deparei com as insinuações do autor, primeiro a uma geração «lançada pelo destino em um alvoroço turbilhonante do mundo»; depois descrevendo sua época como sendo de guerras, violência, e «ideologias tirânicas», então metendo-se a enumerar necessidades virtuosas que aludem à Montaigne; e por fim, num longo trecho que diz: «Foi preciso que, assim como ele [Montaigne], também tivéssemos que experimentar uma daquelas terríveis recaídas do mundo […] ser arrancados a golpes de chicote das nossas esperanças, experiências, expectativas e euforias, até o ponto em que não havia nada mais a defender senão a existência nua e crua, única e irrecuperável». Tais insinuações fizeram-me compreender a assimilação que fazia entre a própria época e a de Montaigne. Stefan Zweig começara a escrever este ensaio em setembro de 1941 e o concluíra em fevereiro de 1942, o mundo já estava imerso na Segunda Guerra Mundial. De acordo com Zweig, Montaigne, cuja época mais emblemática de sua existência é permeada por uma França em plena guerra civil, jamais em sua vida «viu efetivamente em seu país, em seu mundo, a paz, a razão, a conciliação, todas essas elevadas forças espirituais às quais entregara a sua alma».