#interludio: Os Idos de Março
O que realmente está acontecendo com a política em Portugal? - Parte I
*Por Ricardo Figura Lima
Não dava tão pouco ideias, porque, apesar da sua alta ilustração, que o torna um dos nossos grandes contemporâneos, a sua prudência, a sua reserva eram tais, que raras vezes se lhe tinha ouvido uma opinião nítida.
Eça de Queiroz, Conde D’Abranhos
Esta história começa no ano de 2015, quando o Brasil tinha Presidenta e o tomate ameaçava promover-se a produto de luxo. O governo de centro-direita (PSD [Partido Social Democrata] e CDS [Centro Democrático Social]), que havia gerido o país na sequência do desastre financeiro de 2008, num mandato intervencionado pela Troika – leia-se: BCE [Banco Central Europeu], Comissão Europeia e FMI [Fundo Monetário Internacional] – vence as eleições sem conseguir formar uma maioria parlamentar. O líder socialista, António Costa, decide quebrar um cordon sanitaire de quatro décadas e formar um acordo de governo com o Partido Comunista Português e a extrema-esquerda. Numa habilidade política que há-de fazer história e ser aula, Costa decide privar a direita da sua habitual arma: as contas públicas. Ao continuar, à sua maneira e com boa engenharia fiscal à mistura, o trabalho do governo anterior, o Partido Socialista secou ideologicamente a direita.
O choque económico promovido pelas instâncias internacionais e que o Governo PSD-CDS fez questão de acentuar – e de gabar-se disso – destruiu a classe média portuguesa. Deixou também marcas profundas nos reformados e pensionistas, vítimas de sucessivos cortes e congelamentos e naqueles jovens que entravam no mercado de trabalho e a quem havia sido prometido que uma licenciatura equivaleria a um emprego certo.
Nas palavras de Vasco Pulido Valente, por essa altura, Passos Coelho “não quer refundar ou reformar o Estado, pois essa aventura excede a pequena cabeça da criatura”. Mais tarde acrescenta que “ele e os seus fiéis julgam que fizeram uma grande obra. Já se esqueceram de que a Troika os forçou a fazer o que fizeram, como se esqueceram de que não cumpriram o programa a que se tinham comprometido: aumentaram a receita do Estado sem inteligência ou perícia e fugiram de reformas substanciais com vigarices. Deixou um exemplo de trapalhada, de superficialidade e de ignorância. Ou seja, nada de original”.