Por Rui Pedro Gomes
[Portugal, Informal] Ausência de vergonha (ex.: eles ainda tiveram a lata de negar tudo; é preciso ter muita lata para se recandidatar ao cargo). = Atrevimento, Descaramento, Ousadia,
Topete
"lata", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2025.
Liga de cobre e zinco (ex.: anel de latão; chapa de latão; os latões são dúcteis e maleáv
eis).
"latão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2025.
Foi num intervalo entre goles de vinho que, entre amigos e impropérios democráticos, apontaram para o elefante na sala: então, mas achas que o Almirante ganha?
A resposta foi de filósofo: não sei. Mas - que fique entre nós, leitor - sei o que o seu estrelato significa.
À cabeça, a falência: das elites; civis, democráticas. Porém, e mais ainda, das lideranças naturais que a democracia gera. Afinal, toda a democracia, para funcionar, precisa dos seus príncipes. Quem a forma, a delimita e manuseia. A razão, dito isto, estará à vista: o povo suspeita da limpeza das mãos do costume.
Mas fica a nota: esta coluna, que evita generalizações, sabe que o vespeiro anda por toda a colmeia ocidental, não só pelo país de Eça. Todavia - perdoem-me as abelhas do eixo franco-alemão -, aqui o mel é diferente. Aqui, a revolta e o desprezo chegam piedosos e fardados de branco. Ademais, com democracia. Os portugueses, tudo indica, não querem quem capitaneie outro regime. Desdenham é do seu atual pandã.
Explico a combinação que se avista. Para começar, do catálogo de ex-primeiros- ministros, nenhum se apruma para a Presidência. Das mesas de comentário de televisão dominical, aparece um predestinado: Luís Marques Mendes, ex-líder do Partido Social Democrata - hoje partido de governo. Recém-estabelecido na CNN, surge António José Seguro, ex-líder do Partido Socialista, então sacudido do cargo com maquiavelismo.
Resta António Vitorino, experiente político socialista, limando as unhas para a batalha. Deixo os andares de baixo de fora da análise. Sem lata para a presidência, as hostes aguardam pelo passeio da fama.
Não o de Hollywood: o das pesquisas. Chegam, de vez em vez, para acariciar egos, testar nomes e pulsar opiniões. Presidenciáveis são adolescentes: preferem o diabo à rejeição. E atentas andarão as lideranças de latão.
De cima, observando o circo e liderando todas as pesquisas, está Henrique Gouveia e Melo. Almirante da Marinha, feito em Papa pela liderança que desempenhou no combate à Covid-19. Um homem que faz da frugalidade a sua única extravagância. Estará, claro, onde está a virtude: no centro.
A opinião pública adula-o. Quere-o de vestimenta trocada, no Palácio Presidencial. Perante isso, a opinião publicada – saiba a diferença, leitor: a pública dita, a publicada especula – não entende. Nem a ele, nem ao povo.
Já eu, não posso dizer que não compreendo os colunistas da praça. Do Almirante, pouco se sabe além da aptidão logística e da cor dos olhos. Tudo isso, além de, com um punhado de colegas militares, ter aparecido em socorro da máquina pública, fazendo-a – vou dizer! – funcionar. Caros colunistas da praça, é desta que traduzo o povo: o Almirante funciona.
E repito: dele, pouco se sabe. O que, para o efeito, pode ser uma vantagem. Em qualquer café, basta ouvir a mesa do lado: o Almirante é o paradoxo de um herói por falta de heróis. Um Marquês de Pombal de farda. O que basta.
Mas vou além: reparo no velho fascínio humano pelo oculto. Pelo que é turvo. Quanto ao encoberto – o que vai na cabeça do Almirante, digo -, Mark Lilla poderá ter resumido uma futura reação dos portugueses num subtítulo de livro: “On Wanting Not to Know”.
Aplicando três camadas de diplomacia, diria que nem James Bond daria conta da luta política portuguesa. No topo, um governo preso pelos arames de uma futura eleição indesejada pelo povo, eleito por uns milhares de votos de diferença para o segundo partido posicionado. Diferença essa que não enche um Morumbis.
No Parlamento, é o alvoroço de uma bancada em derby. Com a menor maioria relativa de sempre, o atual governo faz por apanhar as migalhas, antes que a oposição lhe coma
o pão - que não é de trigo, é de despesa pública. Dito isto: o governo nem sabe se acordará amanhã. Sabe que sempre acordará como um pé rapado.
Nada que deixe o Presidente de bem com a República. Marcelo Rebelo de Sousa, o atual inquilino do Palácio, dissolveu por duas vezes o Parlamento, convocando novas eleições – as prerrogativas mais duras do cardápio de poderes. Justificou-as com um mote: mais estabilidade, em meio a crises políticas; ora em 2021, ora em 2024. Teve-a em 21, cuja o partido maioritário tratou de depenar; não a teve em 24, resultando num governo de pífia maioria. Marcelo, portanto, coleciona derrotas como selos.
Mas que não se ria qualquer um dos candidatos a 2026. O Orçamento do Estado que aí vem, dizem os astros, está chumbado à nascença. Sem a sua aprovação, a bomba cairá na mão do novo inquilino do Palácio. Pelo que terá que escolher: a doutrina Rebelo de Sousa - de passar o microfone ao povo, nos agudos -, ou uma própria. Qual delas, não sei. Espero pelos debates.
E pelo resultado: a cara precede sempre a caneta. De atenção em riste, ouço o humor público dizer que é desta que o barco treme. O alvo? As lideranças. E desconfio do fim da trama.
É um chute: Portugal cria hoje balanço para um pontapé em certas nádegas do poder.

Rui Pedro Gomes põe os acentos circunflexos no Substack que criou há alguns meses.
"Um homem que faz da frugalidade a sua única extravagância." - Gostei. Um presidente é, na praça, como é em casa. Em se tratando do poder público, é sempre melhor ter um asceta.
Ótima adição ao NEIM.