#Literatura: As amarguras de Baudelaire
O autor de "As Flores do Mal" transformou a angústia moderna em arte absoluta
Charles Baudelaire é um daqueles escritores que parecem ter nascido para contradizer o mundo — e a si mesmos. Conservador e revolucionário, clássico e moderno… nele tudo é paradoxal.
Nos Ensaios de literatura ocidental, Erich Auerbach diz que Baudelaire encarna um tipo único de “miséria cinzenta” — uma experiência de existência sombria e angustiada que não se resolve em síntese fácil, e que traduz a própria condição moderna em versos de enorme densidade estética.
Baudelaire não buscava a beleza onde ela já estava; ele a fabricava no choque entre o sublime e o horrendo. Auerbach enfatiza que As flores do mal revela beleza justamente ao confrontar o leitor com o tédio, o desespero, a feiura urbana e até o grotesco — e faz isso com uma dignidade estética que não se apoia em moralizações nem em consolos religiosos, mas sim na música e na força dramática dos próprios poemas.
Para Auerbach, a obra é um espelho da modernidade de seu tempo. Baudelaire emerge, em sua análise, como representante de uma sociedade em transformação — marcada pelo capitalismo nascente, pela supremacia da mercadoria e por tensões sociais inéditas — e sua poesia torna-se uma forma de entender esses conflitos profundos. Assim, sua ambiguidade e contradições não são falhas, mas expressão de um homem e de uma época que não se deixam reduzir a respostas fáceis.
A visão de Auerbach sobre As flores do mal também sublinha que essa poesia não oferece escapismos. Em vez de prometer redenção ou fuga, a obra apresenta um mundo como prisão — um lugar de choque entre o desejo e a frustração, onde a esperança, quando aparece, é tão intensa quanto amarga, sem promessa de alívio transcendental. Essa tensão irredutível, para ele, é parte da grandeza da obra, e explica por que As Flores do Mal chocou tanto seus contemporâneos e ainda hoje continua a desafiar os leitores.
No fim, Baudelaire permanece atual porque encarou a realidade sem amenidades. Ele sabia que a modernidade não era luminosa, mas cinzenta; que o sublime podia nascer do horror; e que o espírito humano é feito de fendas, contradições e abismos. Ler Baudelaire é aceitar isso sem anestesia — entender que sua poesia não tenta salvar ninguém, mas iluminar a própria condição humana, com toda a sua complexidade e intensidade.
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As flores do mal
Charles Baudelaire
Penguin-Companhia, 2019
656 páginas
Ensaios de literatura ocidental
Erich Auerbach
Editora 34, 2012.
334 páginas






A “miséria cinzenta” era o “Spleen” que somente o Baudelaire soube traduzir.
Continue com seus artigos sobre cultura, Diogo Chiuso. São muito bons e despertam curiosidades.