Parte 3
O inferno foi inventado em 1314 por um florentino encrenqueiro chamado Dante Alighieri. É um edifício de nove andares, sendo o primeiro no nível térreo, o segundo logo abaixo, e assim sucessivamente. Lá Dante aprisionou para sempre seus desafetos e outros pecadores. Claro que o conceito teológico cristão de inferno é anterior a Dante, mas a imagem deste condomínio de torturas aprofundando-se terra adentro é conhecida mesmo por aqueles que nunca leram Dante. Mais de 700 anos passaram e ela perdura no nosso imaginário. Como ele fez isso?
Fora o fato de ser um escritor brilhante, cheio de rancor (um grande motivador), e muito culto, não sei. Algumas dicas: como fio narrativo ele usou o maior medo de sua época, o de ser barrado às portas do Paraíso. Se fosse hoje, ele imaginaria uma distopia onde o pecador não tem acesso a redes sociais, nunca mais, ad infinitum - já imaginou? Também não teve pudor nas descrições dos castigos, elas são dignas de um Tarantino (Tarantino é que bebe na fonte de Dante). Usou suas experiências dramáticas de exílio e ostracismo político para explorar temas de justiça, moralidade e a jornada da alma, ou seja, questões atemporais. Mas conseguiu algo ainda maior: quando as palavras não bastavam, ele criava novas. Palavra vai, palavra vem, e eis que ele criou o italiano. Não do zero, claro, mas antes de Dante não havia uma língua italiana. Portanto todo escritor italiano - e todo falante de italiano - tem uma dívida com Dante Alighieri. Da mesma forma, quem fala espanhol tem essa dívida com Cervantes; quem fala russo, com Pushkin; quem fala inglês, com Shakespeare. Mas isso é tema para vários outros ensaios. A questão aqui é: como a literatura italiana, uma das tradições literárias mais profundas e influentes da cultura ocidental, chegou ao ponto de diversidade e densidade que tem hoje?