#Livros: Fabrice Hadjadj transforma a fé em reflexões filosóficas
Num tempo obcecado por respostas rápidas, ele insiste em ampliar as perguntas
Pensar tornou-se, em grande parte da cultura contemporânea, uma atividade utilitária: espera-se que produza conforto, orientação ou soluções rápidas. Contra essa expectativa, alguns livros escolhem deliberadamente o incômodo. É nesse território que se inscrevem os ensaios do filósofo francês Fabrice Hadjadj. Eles recusam a pressa, desconfiam da simplificação excessiva e tratam a reflexão como uma experiência que desestabiliza antes de esclarecer.
Essa postura aparece de forma contundente em A fé dos demônios, um de seus livros mais conhecidos. Hadjadj parte de uma provocação teológica simples e incômoda: os demônios acreditam em Deus, mas isso não os salva, pelo contrário. A partir daí, o autor desmonta a ideia de que a fé seja apenas adesão intelectual ou identidade cultural. O alvo não é o ateísmo clássico, mas uma religiosidade superficial, satisfeita consigo mesma, que acredita sem comprometimento e se declara sem a conversão. O livro foi elogiado por sua ousadia conceitual, mas também criticado pelo tom severo e pela recusa em oferecer conclusões tranquilizadoras.
Já em Paraíso às porta, ele desloca o debate para o tema da alegria (que desconcerta, conforme o subtítulo). O paraíso, sugere ele, não é uma promessa distante nem uma anestesia espiritual, mas algo que se apresenta de maneira inquietante na própria experiência da vida. A alegria verdadeira, longe de ser leve ou terapêutica, desestabiliza. Críticos franceses observaram que o livro é tão rico quanto exigente: a profusão de referências literárias, filosóficas e artísticas amplia o horizonte da reflexão, mas também afasta leitores que esperam um ensaio simples e edificante.
Por fim, num dos seus livros mais densos, Profundidade dos sexos, ele argumenta que eros é uma epistemologia encarnada: conhecemos verdadeiramente apenas quando somos afetados, vulneráveis, expostos ao outro. Assim, toda tentativa moderna de reduzir o sexo à técnica — quer pela engenharia hormonal, quer pela construção identitária absoluta — é vista por Hadjadj como uma amputação ontológica. Por isso, a diferença sexual é tratada como um enigma anterior a qualquer escolha, no qual o ser humano intui que não basta a si mesmo. A profundidade dos sexos, portanto, é o nome dessa fratura luminosa: somos seres divididos que, ao se reunirem, descobrem que o amor não resolve o mistério — apenas o amplia.
Se há um fio que une esses livros é a recusa sistemática do pensamento utilitário. Hadjadj escreve como quem desconfia da pergunta “para que serve?”. Em vez disso, prefere expor o leitor a paradoxos que não se resolvem facilmente. Essa atitude explica tanto o respeito que ele desperta na crítica quanto as reservas frequentes: seus textos são acusados de excesso retórico, de digressões e de um gosto deliberado pelo desvio argumentativo. Nada disso é acidental. O estilo literário de Fabrice Hadjadj desafia o leitor com insights surpreendentes.



