A relação entre arte e originalidade foi questionada por Welles em seu filme Verdades e mentiras (F for Fake, 1973), uma espécie de mistura entre documentário e ficção, sendo mais próximo, na verdade, do “filme-ensaio”. Durante a produção do filme (na verdade, a sua edição, visto que Welles filmou pouca coisa, reaproveitando material pré-existente) Welles estava abalado - e obcecado - com essas questões, visto que o ensaio de Kael tinha sido publicado a pouco tempo e todo o debate em torno da criação de Kane estava galvanizado.
Verdades e mentiras usa bastante material de outro documentário, filmado por François Reichenbach, e que nunca foi exibido. O documentário de Reichenbach era sobre o falsificador de obras de arte, Elmyr de Hory e seu biógrafo, Clifford Irving. Welles se interessou pelo documentário de Reichenbach pois Irving, pouco depois de ser filmado para o documentário, se envolveu em uma enorme polêmica, pois se descobriu que outra biografia que escreveu, sobre o magnata Howard Hughes (outra figura semelhante a Charles Foster Kane e William Randolph Hearst) tinha sido completamente forjada. Welles viu uma oportunidade e comprou o documentário de Reichenbach, misturando as cenas captadas por ele com outras captadas por Welles, e narradas por ele, criando um filme-ensaio fascinante sobre arte e imitação, originalidade e cópia, verdade e mentira.
O interessante é que Welles, em nenhum momento, questiona ou condena de Hory; pelo contrário, o falsificador é tratado como uma espécie de herói rebelde - um herói byroniano bem ao gosto de Welles. Ao comentar sobre o relato falso de Clifford Irving acerca de seu encontro com Howard Hughes, Welles se pergunta em Verdades e mentiras “Mas quem se preocupou com os fatos?” [“But who cared about facts?”]. E, enquanto comenta a falsificação de Irving, Welles termina de desenhar uma caricatura de Hughes e assina como Elmyr, falsificando a assinatura dele, assim como, anteriormente, Elmyr terminou a falsificação de um quadro e assinou como Orson Welles. O que Welles questiona ao longo do filme, na verdade, não é a moralidade por trás dos atos de Elmyr ou de Irving, mas sim o papel dos especialistas em arte: os críticos e os responsáveis por autenticarem se uma obra de arte é genuína ou uma reprodução. O fato de que Elmyr e Irving conseguiram driblar os especialistas mais bem credenciados e das instituições mais prestigiadas não é tanto motivo de preocupação por parte de Welles, mas sim de diversão.
Welles mostra que a importância da especialização deriva do status de mercadoria da arte; quando fala sobre o mercado de arte, mostra-nos uma montagem de hamburguerias e estacionamentos McDonald’s em Los Angeles [os dois, restaurantes do McDonald’s e estacionamentos são, bem ao gosto pós-moderno, não-lugares por excelência]. Embora ele não diga isso diretamente, ele também sugere que na era industrial a arte é significativa apenas quando é original, tendo o estilo de um pintor (ou autor) admirado que a torna única e, portanto, comercializável. Não há, em outras palavras, relação entre trabalho e valor na arte, e a noção romântica do artista, exemplificada pelo próprio Welles, merece um questionamento rigoroso. Pode ser verdade, como diz Clifford Irving a certa altura, que de Hory falhou como pintor porque lhe faltou uma “visão original”; suas falsificações, no entanto, servem para zombar de uma sociedade que converte a originalidade em capital. Ele teve a vingança perfeita contra seus críticos e provou que o ideal do gênio artístico supremamente talentoso torna seus adeptos presas de vigaristas.
The Magic World of Orson Welles. Pág. 276.
A ideia romântica do artista como sendo um gênio único, aquele dotado de uma visão original que rompe com todos os padrões previamente estabelecidos surgiu, de acordo com Naremore (que se apóia nas observações do crítico inglês Raymond Williams) como sendo uma resposta à crescente industrialização e fabricação de bens de consumo em série. Como estabelecer valor a alguma coisa quando tudo é fabricado em série? No entanto, como Welles intui, essa visão do artista como sendo uma espécie de demiurgo, um ser que se projeta acima das pessoas comuns pois possui um poder especial (e único) é algo potencialmente perigoso, pois cria oportunidades para que falsários e enganadores tirem vantagem não só de um público insuspeito como da própria elite que compra essa arte, após ela receber o selo de valiosa por uma classe de especialistas. Isso é algo que une os grandes artistas aos magnatas do tipo de Hughes e Hearst; parte gênio, parte vigarista.