Arte ao vivo
Ed Piskor parece um quadrinista contraditório.
De um lado, ele é um nerd de quadrinhos de dicionário.
Natural de Homestead, cidade nas proximidades de Pittsburgh, Piskor é o irmão mais velho de sua família. É a cidade da Greve de Homestead, e o seu crescimento está diretamente relacionado à indústria metalúrgica, a ascensão de Andrew Carnegie e a Homestead Steel Works, indústria na qual os pais de Piskor trabalharam até a sua falência em 1986, no contexto da Crise do Aço. Ele é o irmão mais velho de uma família operária de quatro filhos.
Também foi um adolescente com dificuldades de socialização. Piskor se tornou um home schooler no ensino médio, depois de uma crise de colite quase fatal, que resultou em sua internação hospitalar prolongada, que o próprio atribuiu à ansiedade. Nas palavras dele, em entrevista para o The Comics Journal:
“No ensino médio, quando eu tinha 15 anos, fiquei muito, muito doente. Não é algo sobre o qual eu goste de falar, mas definiu a minha direção em relação a uma carreira com arte e coisas assim, por que… eu fiquei muito doente, ao ponto de ficar em casa nos últimos dois anos e meio do ensino médio. Isso me deu uma grande quantidade de tempo para ficar de bobeira, desenhar e ler gibis.
(...)
Eu fiquei doente por mais ou menos um ano, mas a recuperação foi eterna. O estranho é que, desde que eu entrei no mundo dos quadrinhos, conheci vários caras com o mesmo problema. Tem a ver com ser tão anal retentivo e obsessivo. Parece ser algo comum entre pessoas criativas, foi o que os médicos me disseram quando eu era criança.
E, especialmente quando se é criança, não se tem nenhum poder sobre nada, então você tenta controlar tudo no seu mundinho. Além disso, se passa muito tempo dentro da própria cabeça, e isso transborda. Mas, assim como quase tudo que eu faço, durante a escola eu queria ser o melhor estudante, mas a minha mente não é uma esponja de informação. Conheço algumas pessoas que aprendem fácil, mas isso não sou eu. Sempre tive boas notas, mas tinha que trabalhar pra caralho para isso. Então em algum momento isso me pegou. Depois que eu fiquei doente e estava me recuperando, meio que mudei, mas as vezes isso volta e eu me torno realmente obcecado, preciso descansar.
Para ser honesto, a primeira vez que você me ligou, eu estava enfrentando uma grande depressão. Acontece uma vez e outra porque eu passo muito tempo desenhando e sozinho. Dessa vez, foi porque os caras da Fantagraphics me transferiram um avanço pela minha hq e agora… eu nunca peguei dinheiro emprestado na minha vida, então agora eu me sinto em dívida, sabe? Sinto uma responsabilidade muito grande de fazer que fique o melhor possível, então coloco uma pressão estranha em mim mesmo. Sempre fiz isso”.
Em casa, Piskor se tornou um leitor obsessivo de quadrinhos e um desenhista dedicado ao desenvolvimento de sua arte – o que é evidente não apenas pelas entrevistas que deu nesse sentido, mas também pelo esmero que as páginas de seus gibis transparecem. O seu interesse invariavelmente recaia sobre fantasias de poder: hip hop, super-heróis e luta livre. Ao concluir o ensino médio, Piskor frequentou o curso da Joe Kubert School, em Nova Jersey, por um ano. Nesse período, permaneceu hospedado na The Mansion, dormitório mantido pela própria escola para seus estudantes.
O nerdismo de Piskor é especialmente perceptível no seu trabalho. O primeiro grande sucesso do quadrinista foi Hip Hop Genealogia, uma hq que mostra, em chave de linguagem de gibi de super-heróis, o surgimento da cultura hip hop nos EUA. Na série, em que pese seja ficcionalizada de forma fantástica, demonstra um conhecimento obsessivo sobre o assunto que só um fã nerd é capaz de ter. A escolha do assunto, ainda por cima, foi motivada pelo que Piskor considera que são “as semelhanças entre hip hop e gibis”.
Na mesma entrevista para o The Comics Journal, Piskor diz:
“Os dois também se prestam para colecionismo e obsessão com conhecimento anedótico. Por exemplo, procurar discos antigos e coisas assim, não é diferente de procurar gibis em lojas de quadrinhos. Passar muito tempo em lojas de discos procurando por lixo velho atrás da primeira aparição de alguém não é muito diferente de procurar New Mutants n. 87 para ver como eram as coisas quando o Cable apareceu pela primeira vez”.