#naoeentrevista: João Pereira Coutinho
O Grande Inquisidor desta editoria responde a si mesmo
Olá, Little Couto. Como você está?
Sábio e belo, comme d’habitude.
Por acaso a sua infância foi deliciosamente corrompida por Walt Disney?
Em todos os sentidos. Desenvolvi uma fobia às maçãs, mas passei a gostar bastante de anões que trabalham em minas. Até comprei um para decorar o jardim.
Quais são as memórias que você tem da sua infância? E, por favor, não se esqueça das empregadas.
Minha infância foi um pouco infantil, agora que penso nisso, mas valeu a pena: o máximo de liberdade com o mínimo de responsabilidade. Exatamente como nossos políticos atuais, que ainda estão nessa fase.
Quando você pretende fugir de Portugal?
Jamais. Isto é um casamento até que a morte nos separe. A única duvida é saber quem vai morrer primeiro.
Se surgir trabalho na Arábia Saudita, você sairia do Portugal na hora?
Só se fosse para atuar como monarca. Menos que isso seria areia demais para a minha camioneta.
Qual é o último lugar do mundo em que você trabalharia?
Na Coreia do Norte. Como diria o Millôr, mais importante que a presença de espírito é a ausência de corpo.
Você gosta de malhar um Judas enquanto navega na internet?
Não entendi essa pergunta.
Qual escritor você acha melhor? Tolstói ou Flaubert? Não precisa ter lido nenhum dos dois. E, se leu, meus parabéns.
Se não tivesse lido nenhum, diria Tolstói. Como li, digo Flaubert.
Por que você teria algum otimismo sobre Portugal?
Nunca sofri dessa doença. Nem os meus compatriotas, verdade seja dita. Nosso pessimismo é a razão principal por que o país existe há quase 900 anos.
Você acha que a corrupção é tão grave assim ou foi apenas exagerada?
É ainda pior do que imaginamos. Aliás, regra geral, as coisas tendem sempre a ser piores do que imaginamos: a corrupção, a deslealdade, os ressentimentos, o trânsito, aquele restaurante de que todos estão falando, etc.
Será que o problema central de Portugal não são os políticos, mas o próprio país?
É uma boa hipótese – depois de bebermos muito. Em estado sóbrio, reconhecemos que são os políticos.
Você faz parte das pessoas educadas que ainda vive em Portugal?
Sim, mas intermitentemente.
Há uma oposição em Portugal?
Dizem que sim. Eu só acredito, vendo.
Você acredita que a oposição é tão corrupta quanto o governo?
Esta pergunta não faz muito sentido para nós.
Há algum político em que você votaria, mesmo que fosse de nariz tapado?
Sigo a máxima de Lucian Freud: só voto em políticos que conheço pessoalmente. O que é um problema, porque faço questão de nunca conhecer nenhum.
Existe alguma coisa de positivo hoje no país?
Só consegui responder a essa pergunta quando vivi fora dele. Pode anotar: o clima, a comida, o sol, a paz, os amigos, os amores. E a língua.
Você acredita na Justiça?
Em teoria.
Imagine que o presidente convida você para um chá ou para outra bebida qualquer. Você iria?
Qual presidente? O russo? Iria, mas não beberia.
Para um jovem português com pretensões de continuar a viver em Portugal, o que você recomendaria?
As Meditações de Marco Aurélio.
Já te convidaram para uma escola de samba?
Várias vezes. Mas a minha praia sempre foi a Capoeira.
*O questionário foi inspirado nas perguntas feitas pelo próprio João Pereira Coutinho a Diogo Mainardi no texto “Diogo, o Terrível”, publicado na Folha de São Paulo no dia 05/02/2008.
João Pereira Coutinho, também conhecido publicamente como “Little Couto”, é cientista político e colunista da Folha de S. Paulo. É autor, entre outras obras, de As Ideias Conservadoras - Explicadas a Revolucionários e Reacionários, que será relançado em breve pela Almedina Brasil com um novo prefácio do autor.
João Pereira Coutinho.. entrevistado por ele mesmo... Muito bom. Está entre os 3 ou 4 colunistas que nunca deixo de ler...
Muito boa,adoro essas entrevistas.