#naoeentrevista: Jonas Madureira
Conheçam um grande mediador que não deseja admitir que é uma excelente inspiração para os outros - ainda bem.
Olá, Jonas. Como você está?
Há pouco, estava cantando a versão magistral que John Pizzarelli fez de “Can’t buy me love”, dos Beatles. E há uma razão para isso. Estou em meu escritório, feliz da vida, depois de ter passado alguns dias em Santo Antônio do Pinhal, na companhia da pessoa que mais amo nessa vida: minha esposa. Neste ano estamos comemorando 20 anos de casamento...
Por acaso a sua infância foi deliciosamente corrompida por Walt Disney?
Sim, e não me orgulho disso. Na verdade, tenho raiva. Explico. Quando era menino, não perdia um episódio do Gato Félix. O que ele fazia com aquela sacola amarela, a “magic bag”, me impressionava demais. Veja, o gato não era poderoso, mas, sim, a sacola amarela, que só funcionava sob o seu comando. Não é incrível? Qualquer outro que a roubasse, não conseguiria usá-la... Mas, afinal, por que não tenho orgulho da minha infância ter sido “deliciosamente corrompida” por Walt Disney? Acabei trocando o gato pelo rato.
Quais são as memórias que você tem da sua infância? E, por favor, não se esqueça das empregadas.
Nasci em Salvador, mas vivi a infância no Rio de Janeiro. Primeiro em Parada de Lucas e depois em Pavuna. Isso foi na década de 80. Naquela época, meu objetivo de vida era convencer os meus pais de que deveriam me dar de presente uma fantasia do Bate-Bola, mas minha família era evangélica e não tínhamos empregada.
Quando você pretende fugir do Brasil?
Já morei na Alemanha e nos EUA. Voltei e não pretendo fugir. A razão? O Brasil é o único lugar do mundo onde realmente me sinto em casa. Não sofro do “complexo de vira-lata”, como diria Nelson Rodrigues, mas, por outro lado, não tenho a vocação para viver num lugar onde tenho de ser “o outro dos outros”.
Se surgir trabalho na Arábia Saudita, você sairia do Brasil na hora?
Nem se fosse para jogar com a camisa 10 do Al-Hilal.
Qual é o último lugar do mundo em que você trabalharia?
Palácio do Planalto.
Você gosta de malhar um Judas enquanto navega na internet?
Só quando se trata de um hater inteligente. Não resisto a um oxímoro.
Qual escritor você acha melhor? Tolstói ou Flaubert? Não precisa ter lido nenhum dos dois. E, se leu, meus parabéns.
Nenhum dos dois, prefiro Otelo. Mas entre Anna Kariênina e Madame Bovary, o russo sai na dianteira. Motivo: cada escritor infeliz é infeliz à sua maneira. A infelicidade de Flaubert é ser um pouco mais otimista que Tolstói.
Por que você teria algum otimismo sobre o nosso país?
Não sou otimista sobre o Brasil porque sou cético acerca da política. Meu ceticismo nasceu da leitura de Santo Agostinho. Não dá para sustentar qualquer otimismo pela cidade dos homens depois de ler De civitate Dei ou De excidio urbis Romae. Por falar neste, Jérôme Ferrari escreveu um romance chamado O sermão sobre a queda de Roma, vencedor do Prêmio Goncourt 2012. Trata-se da história de dois estudantes de filosofia: Libero e Matthieu. Os dois cresceram em Córsega, uma ilha do Mediterrâneo, pertencente à França. Eram amigos de infância e, quando jovens, se mudaram para Paris a fim de estudar filosofia. Enquanto Libero escrevia uma tese sobre o De excidio urbis Romae, de Santo Agostinho, Matthieu quebrava a cabeça com a Teodiceia, de Leibniz. Libero “acreditava na eternidade das coisas eternas, em sua nobreza inalterável”; Matthieu “se perdia nos labirintos vertiginosos do entendimento divino, à sombra da inconcebível pirâmide dos mundos possíveis multiplicada ao infinito”. Entretanto, ambos odiaram a vida em Paris. E depois de um longo período de incertezas, abandonaram os estudos e trocaram a metrópole das luzes pela ilha dos tempos de infância. Resumo da ópera: Libero abandonou a filosofia por causa do tédio, e Matthieu, por seu turno, afundou-se em um amor não correspondido. Assim, frustrados com seus mundos, ambos decidiram que a felicidade não estaria nem na filosofia nem em um grande amor, mas em um bar. Pois bem, eles regressaram para Córsega e decidiram abrir um bar. Acreditavam que seria mais fácil administrar um negócio do que tentar entender o mundo. Todavia, ao fazerem de um bar um microcosmo, descobriram que manter um bar vivo é tão difícil como tentar evitar a morte do mundo. Não abandonarei o Brasil, mas tampouco vou acreditar nele.
Você acha que a corrupção é tão grave assim ou foi apenas exagerada?
Não há graus de corrupção. Onde houver corrupção, ela sempre será grave. Por isso, entendo que o nosso problema não é a corrupção, mas o cinismo. Quando se é jovem, se acredita num mundo melhor. A idade avança e o que resta é a resignação ou o cinismo. A corrupção está aí, na nossa cara. Não aumentou nem diminuiu. Na verdade, o que exagerou foi o cinismo e a resignação.
Será que o problema central do nosso país não seriam os nossos políticos, mas o próprio Brasil?
O problema central do Brasil — e do mundo — se reduz à carência de mediadores. Compare os líderes mundiais que temos hoje com os do passado não muito distante. O declínio é impressionante. Somos uma civilização cada vez mais sem heróis. No lugar deles estão ficando os anti-heróis, que não são necessariamente bandidos, mas tampouco gente admirada por ter uma alma robusta. São na maioria das vezes medíocres, pragmáticos, de alma raquítica, que querem resultados que possam maximizar a felicidade custe o que custar. Eles não querem ser exemplo, nem padrão para quem quer que seja. Ambicionam apenas chegar ao poder e ao livre uso do cartão corporativo, e, por isso, rejeitam toda espécie de sacrifício por valores que, no passado, heróis deram suas próprias vidas. Aliás, por que carecemos tanto de pessoas para admirar e imitar? Carecemos porque nossa identidade não se constitui sem modelos. René Girard tinham razão. Uma cultura corrupta é fruto da mediação de corruptos. Mediadores corruptos sempre serão o primeiro motor da corrupção coletiva.
Você faz parte das pessoas educadas que ainda vivem no Brasil?
Acho que sim.
Há uma oposição no Brasil?
Uma? Não. Várias. O problema não é ser oposição, mas que tipo de oposição. Nesse sentido, há inúmeras oposições no Brasil. Nunca fomos binários.
Você acredita que a oposição é tão corrupta quanto o nosso governo?
Em política, sou cético e pessimista: oposição e situação são sempre corruptíveis.
Há algum político em que você votaria, mesmo que fosse de nariz tapado?
Sempre prendo a respiração quando vou às urnas. Althusius, considerado o pai do federalismo, dizia que não é fácil encontrar um “homem régio”. A pista para encontrá-lo é o amor e a competência. Se ele ama a coisa pública e tem competência para administrá-la, ele é o cara. Ora, se falta competência, ainda assim dá para aproveitá-lo, especialmente, se ele for consciente de sua inabilidade e chamar para perto outros homens competentes que suprirão as suas lacunas. Mas se é o amor que faz falta, mesmo que ele seja competente, será um péssimo homem público. No nosso caso, parece que nossos políticos carecem de ambos: amor e competência. Daí, não basta prender a respiração. Água com açúcar também pode ajudar.
Existe alguma coisa de positivo hoje no país?
Sim, a Sala São Paulo.
Você acredita na Justiça?
Sim, com todas as minhas forças. Devo essa convicção à Apologia de Sócrates, de Platão, e, acima de tudo, ao último livro da Bíblia. Nenhuma injustiça feita aqui, neste estado presente da vida, ficará eternamente impune. Se a justiça não se realizar aqui, então, tem de existir a vida após a morte e, com ela, uma suprema corte, incomparável aos tribunais humanos, que julgará a todos com equidade. Por isso, não deveríamos temer mais aos homens que a Deus.
Imagine que o presidente convida você para um chá ou para outra bebida qualquer. Você iria?
Em tese, não. Preciso dizer que sou um pastor batista à moda antiga e, por isso, defendo a inegociável separação entre igreja e estado. Isso não significa que a igreja está impedida de cooperar com o estado para o bem da esfera pública e vice-versa. No entanto, isto tem de ser feito por vias formais e com lisura. Assim como político nenhum sobe no púlpito de nossa igreja, pastor nenhum deveria se meter com político algum, seja político de direita, seja de esquerda, seja de centro, seja radical.
Para um jovem brasileiro com pretensões de continuar a viver aqui, o que você recomendaria?
Diria ao mancebo: “Você não pode passar desta vida para outra sem ler Desenvolvimento e cultura: o problema do estetismo no Brasil, de Mario Vieira de Mello”.
Já te convidaram para uma escola de samba?
Sim, mas é uma longa história...
*O questionário foi inspirado nas perguntas feitas por João Pereira Coutinho a Diogo Mainardi no texto “Diogo, o Terrível”, publicado na Folha de São Paulo no dia 05/02/2008.
Jonas Madureira é professor de filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie e de teologia no Seminário Martin Bucer. Autor dos livros Filosofia, Inteligência humilhada, O custo do discipulado e Tomás de Aquino e o conhecimento de Deus. Tem gradução em teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduação e mestrado em filosofia pela PUC-SP e doutorado em filosofia pela USP com estágio na Universität zu Köln, na Alemanha.
Jonas é camarada de missão e editor chefe da Edições Vida Nova. Trata-se uma das mais importantes editoras brasileiras de Teologia Protestante (com P maiúsculo), também considerada como Evangelical de raiz, fundada por ninguém menos do que Dr. Russell Shedd (1929-2016), um dos mais respeitados e prolíficos teólogos em terra brasilis.
Interessantíssima essa entrevista. Amei a resposta do problema do Brasil.