Os setenta anos de Gilberto Freyre
Nelson Rodrigues
[28/3/1970]
Nem sei por onde começar. Digamos que... Eis a verdade: estou naquela situação de Carlos Drummond de Andrade ao oferecer seu livro a Marques Rebelo. Na dedicatória, escreve o poeta nacional: – "A Marques Rebelo – sem palavras – Carlos Drummond de Andrade." Ao que eu saiba, poesia é uma arte de palavras. E se um poeta não as tem, poderemos talvez chamá-lo de antipoeta. Na melhor das hipóteses: – antipoeta.
Felizmente, o bom Carlos estava usando apenas um truque de sua prudência mineira. Não queria elogiar o romancista e o conseguiu. Eu diria que a minha situação é parecida: – faltam-me palavras para começar esta crônica. Queria escrever sobre a "socialização do homem". Digo mal. Não é bem do homem. O correto seria dizer a socialização do idiota.
Não sei se me entendem e tentarei explicar. Antigamente, o idiota era o primeiro a saber-se idiota; e babava fisicamente na gravata. Não andava, como agora, em massas, unanimidades, maiorias, assembleias etc. etc. Do berço ao túmulo, ele assumia a sua irreversível miserabilidade de idiota. O mundo dependia de sete, oito, dez ou vinte individualidades, fortes, criadoras, sim, individualidades que pensavam por nós, sentiam por nós, decidiam por nós.