NelsonRodriguesExplica
Não existe o “eu”. No Brasil, só agimos, só sentimos, só amamos e só odiamos em massa
AS CABEÇAS ROLANTES
Nelson Rodrigues
[26/7/1968]
E ninguém fala dos estudantes tchecos. Quando os jovens da França começaram a virar carros, a arrancar paralelepípedos e a incendiar a Bolsa — as manchetes se assanharam, em todos os idiomas. Ninguém entendia nada. A primeira Revolução Francesa fora nítida e profunda. Derrubou-se a Bastilha, decapitou-se Maria Antonieta e instalou-se o Terror. Mas sabíamos por que as coisas aconteciam e por que rolavam as cabeças.
Mas a recente agitação estudantil teve um defeito indesculpável: — faltou-lhe o Terror. O mundo ainda faz a pergunta sem resposta: — “Onde estão as cabeças cortadas?”. Simplesmente, não estão, nem houve. Ninguém decapitou ninguém. E, como não havia gasolina, ninguém morria, nem atropelado.