#NelsonRodriguesExplica
Uma semana na companhia de Nelson Rodrigues para tratar da nossa úlcera mental
Nelson sabia. Muito antes de Umberto Eco alertar sobre o idiota da aldeia – aquele que antes falava besteiras no bar e era ignorado, mas que agora, com a internet, tem o mesmo espaço de um Prêmio Nobel –, Nelson já sabia que o idiota da objetividade ascenderia em todos os cantos da sociedade e das almas.
Nelson sabia. O mundo virou um grande hospício, sem camisa de força. Com um punhado de palavras de ordem e um verniz de consciência crítica, os pacientes tomaram o controle. É proibido proibir.
Nelson sabia. Maio de 1968 foi o ensaio geral desse delírio. O movimento francês se tornou um exemplo de uma liberdade tão absoluta quanto impossível e destrutiva. Desaguou em coisas que alegram nossos dias, como o politicamente correto, safe spaces e o tal wokismo de onde ouvimos os gritos das palavras de ordem. É proibido ME proibir. Hordas de cancelamentos. Cancelam e criam novas formas de tirania como senhores das moscas perdidos numa ilha deserta.
A rebeldia que deveria desafiar sistemas opressores não arranhou uma ditadura sequer. Mal abalou o governo do general. Mas se tornou o lugar onde até hoje estão estacionadas a mídia e a universidade. Estão lá, inertes. A impressão de que muitos estudantes, professores, artistas e jornalistas vivem em outro mundo, talvez não seja só impressão.
Nelson expôs essas figuras com precisão cirúrgica. Profética!
A única coisa que os revolucionários de festival conseguiram fazer foi demolir a percepção de autoridade. Desconstrução, disrupção, contestação absoluta passaram a ocupar o lugar de tudo o que antes organizava a vida! Sem regras, vemos instituições desmancharem-se no ar. Relações de autoridade nas famílias, escolas e governos evaporam. Autoridade virou palavrão.
Nelson sabia. Maio de 68 não tinha nada a ver com liberdade. Regimes autoritários não só absorveram a mentira da retórica da liberdade como a manipularam. Algumas ditaduras passaram a se disfarçar de senhoras democraciosas. Aldous Huxley também sabia. As pessoas trocaram a liberdade pela comodidade com uma facilidade aterradora. Repetem, felizes, as propagandas dos governos com suas faces harmonizadas.
Hoje, não há mais fuga. O idiota da objetividade não é mais um tipo exótico perdido em sindicatos e centros acadêmicos. Ele se multiplicou, está na direita, na esquerda, na diagonal, no centro. Em todo lado. Por vezes, precisamos nos certificar de que não está dentro das nossas cabeças.
E é aqui que Nelson Rodrigues entra como se fosse uma papinha que cuida da nossa úlcera mental. Para quem não sabe, Nelson cuidava da própria úlcera com carinho, sabia que a dor era necessária para manter a lucidez.
E, no Brasil de Maio de 2025, depois de nos curvamos a ditadores, presenciarmos o estelionato do Estado com os aposentados, de vermos um desfile de carros de luxo comprados com o dinheiro roubado de idosos, deficientes e pessoas muito pobres... nada é mais necessário do que suas crônicas, escritas para qualquer Brasil. Para esse Bananão que nos obriga, diariamente, a recorrer aos antieméticos, antiácidos, ansiolíticos e antidepressivos.
Nelson sabia. Antecipou esse hospício. Viu os sintomas se espalhando, viralizando sem redes sociais, sem bolhas, sem algoritmo. Diante de sua máquina de escrever, dos jornais impressos, das ruas, dos teatros, seu filtro era sua própria inteligência.
Ler suas crônicas é o melhor teste para medir o embotamento da mente, o quanto estamos mergulhados na ilusão da objetividade. Certa vez, ouvi um jovem universitário dizer: eu discordo de Nelson Rodrigues. Falou com a convicção de quem não sabe o que é fruição. Nem percebeu que sua reação confirmava tudo o que Nelson havia escrito sobre o idiota.
Então, que venha Nelson. Precisamos dele, da sua ironia, das suas hipérboles e da sua úlcera para continuar digerindo este país sem sermos digeridos por ele.
A partir de amanhã, domingo, até 31 de maio, Nelson Rodrigues tomará conta dessa seção do NEIM. Subirei num cadafalso. Afinal, depois de passar uma semana com Nelson, quem desejará voltar a ler esse Falstaff sem eira nem beira? Eu que não.
“Aprendi com Nelson a acreditar que o Brasil jamais se salvará pelo silogismo. Mas pode bem ser salvo pela anedota.” Roberto Campos
Hoje o idiota é condecorado, recebe prêmios e cadeira na ABL.
Que venha muito de Nelson Rodrigues.
E ainda tivemos de brinde uma citação de Roberto Campos.
Quero viver nesse mundo.