I.
Ao final das eleições do ano passado uma das coisas mais comuns que li e ouvi foi: “Com estes resultados, podemos cravar que o longo ano de 2013 enfim chegou ao fim”. A tese faz sentido, afinal, o ano de 2013 foi marcado por uma série de manifestações que culminaram na derrocada da presidente Dilma Rousseff, no clima favorável à Operação Lava Jato - que investigou e prendeu uma série de políticos, empresários e operadores ligados ao tal do establishment político e empresarial -, na ascensão da chamada Nova Direita e na própria eleição de Jair Messias Bolsonaro à presidência da República. Contudo, a eleição de Luís Inácio Lula da Silva no ano passado e o retorno de uma série de figuras tradicionais da política brasileira ao centro do poder, a ideia de que o mesmo establishment contra-atacou com sucesso o “espírito” de 2013 - e o venceu - é de fato tentadora. E acredito que em parte isso seja verdade. Agora: o que seria o espírito de 2013? Isso já é um tanto difícil de precisar.
O Movimento Passe Livre (MPL), um coletivo que é na verdade uma agremiação de vários outros movimentos de esquerda, começou uma série de manifestações em São Paulo contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus. O movimento em si nunca teve grande adesão popular, e a pauta menos ainda. Sabendo disso, deliberadamente buscaram confronto com a polícia - então sob comando de Geraldo Alckmin, do PSDB (e atual vice-presidente de Lula). A resposta da polícia, apesar de necessária, tendo em vista as depredações e confusões causadas pelo grupo, foi truculenta e, sim, indefensável. E isso gerou o estopim.
As manifestações, que começaram de (ou com a) esquerda, logo se espalharam pelo resto do país com divulgação dos atos do grupo e da violência da polícia. Com isso, as manifestações “não eram mais pelos 20 centavos”. Pessoas de todas as classes sociais, em especial a classe média, tomaram as ruas pela primeira vez, protestando contra… contra o quê, mesmo? As pautas eram difusas, abertas, em larga medida pouco ideológicas: “Queremos hospitais/escolas/transportes padrão Fifa”, em resposta aos vultosos investimentos que o governo federal fazia para sediar o evento esportivo, como a construção de estádios nos padrões rigorosos exigidos pela Fifa, era bastante comum. Mas o que não era comum era o fato de que todo dia havia manifestação, todo dia pautas gerais como essa eram exigidas e… nada acontecia.
O avanço da Operação Lava Jato e a proximidade com as eleições presidenciais em 2014 só acirrariam os ânimos. As pautas difusas começaram a ganhar contornos ideológicos, e o surgimento de movimentos de direita como o Vem Pra Rua e o MBL (Movimento Brasil Livre) capturaram bem a insatisfação não só com a esquerda e o PT, mas também deu voz a essa classe média, tão difusa e mal-definida no Brasil. Novos slogans, dessa vez oriundos da publicidade (“O gigante acordou” é de um comercial da Johnnie Walker, ao passo que “Vem pra rua” é de uma peça da Fiat - ambas produzidas para a Copa do Mundo) surgiram. Sérgio Moro, prisão de Lula, Deltan Dallagnol, Olavo de Carvalho, “Menos Marx Mais Mises”, política de redes sociais, Kim Kataguiri, Mamãe Falei, fake news, Joesley-Day, “Fora Temer”, liberalismo, comunismo, socialista Fabiano, João Dória, anti-política, Jair Messias Bolsonaro, Bolsonarismo, “Nossa bandeira jamais será vermelha” e tudo o mais vieram, ao que parece, em rápida sucessão. A prisão de Lula, a pandemia da Covid19, tentativas de golpe por parte de Bolsonaro e seus aliados, soltura de Lula, derretimento de Sérgio Moro e dissolução da Lava Jato, a soltura de figuras como Sérgio Cabral, eleição de Lula, Xandão, “Supremo é o povo”, Fake News, Thiago Leifert, Flow Podcast, Monark, Léo Lins e não sei mais o quê e… cá estamos. Ufa. Passei em rápida sucessão, mas deu para entender (acho).