[Leia a sexta parte do ensaio]
*Por Vicente Renner
A linguagem dos gibis
Essa aparente contradição entre verdade e subjetividade é fundamental para se entender a forma pela qual Jack Kirby usa os recursos narrativos dos quadrinhos em seu gibi.
Neal Adams se tornou, merecidamente, o principal desenhista dos quadrinhos americanos nos anos 70 graças a páginas como essa:
Em páginas como essa, Adams está fazendo muitas coisas, todas elas do jeito certo. A principal delas é manipular o ponto de vista do leitor na composição da página. Adams nos mostra a ação desde ângulos extremos e subjetivos, e faz com que a ação destrua a grade de quadrinhos.
Adams faz isso porque ele quer manipular a percepção do leitor para que ele perceba a página como algo dinâmico, mesmo que em prejuízo à própria legibilidade da história — entendida aqui como a compreensão que o leitor tem da sequência de atos que formam a narrativa. Veja, por exemplo, essa página de X-Men n. 57:
Adams sacrifica a ordem lógica de leitura da página [da esquerda para a direita, de cima para baixo] e o movimento normal dos olhos [que costumam percorrer a página em “Z”] porque ele precisa que o quadrinho maior da coluna transversal esteja no canto inferior direito para causar a impressão, no leitor, de que o Fera está caindo para fora da página.
Para fazer isso, ele não se importa que o leitor não compreenda que o Fera foi derrubado pelo Homem de Gelo [canto inferior esquerdo, um quadrinho que, pela ordem cronológica, deveria estar no canto superior esquerdo], nem que, durante a sua queda, ele tenha percebido um súbito movimento ao seu lado [canto superior direito, em um quadrinho que deveria estar no canto inferior direito]. Ele não se importa por um motivo muito simples: para os seus propósitos, isso não é importante. Ele tem razão: eu ainda lembro da primeira vez que vi essa página, lá por novembro do ano 2000.