O Brasil entrou numa fase inédita — e não se trata de “ameaça à democracia”, mas do seu uso estratégico como ferramenta de controle. A engrenagem não está mais na clandestinidade: ela opera à luz do dia, legitimada por um consenso artificial fabricado no noticiário e blindada pelo moralismo de toga.
O que revelam as investigações e vazamentos recentes — Vaza Toga 2, o manual brasileiro de lawfare e os arquivos secretos do 8 de janeiro — é que não há mais necessidade de tanques para governar por medo. O autoritarismo agora tem linguagem jurídica, estética de tribunal e hashtags de “defesa do Estado de Direito”.
1. Vaza Toga 2 — A arquitetura digital da repressão
O caso expõe um método: o STF, via gabinete de Alexandre de Moraes, montou um sistema paralelo de classificação de cidadãos. O alvo não é quem quebrou vidraças, mas quem curtiu posts errados, quem compartilhou memes inconvenientes ou quem ousou ironizar ministros em 2018.
Não há ordem judicial prévia. Não há contraditório. Não há transparência. Há, sim, um mecanismo que transforma opinião em prova, rede social em ficha criminal.
A lógica é simples: vigiar primeiro, punir depois. A toga, agora, tem algoritmo.
2. Lawfare tropical — democracia como arma contra o adversário
O lawfare brasileiro é mais do que importação de manuais: é adaptação criativa. Aqui, processo não serve apenas para punir — serve para impedir que o adversário sequer dispute.
A sequência é previsível:
- O juiz que converte piada em crime.
- O promotor que atua como editor ideológico.
- A prisão cautelar usada como palanque para editoriais.
A democracia formal permanece, mas como cenário. Por trás, vigora a “democracia assistida por toga”: um regime em que a disputa política se resolve antes da urna, nos gabinetes.
3. Os arquivos secretos — o tribunal do pensamento
O vazamento dos documentos sobre o 8 de janeiro revelou algo pior do que abuso processual: revelou planejamento prévio para classificar, monitorar e neutralizar cidadãos antes de qualquer ato concreto.
Trata-se de um sistema de perfilamento ideológico: o Estado arquiva nomes, opiniões e redes de contato. Um mapa mental da oposição, não pelo que fez, mas pelo que poderia fazer.
Isso não é ficção distópica. É prática corrente, amparada por relatórios sigilosos e ordens de “investigação criativa” — expressão que, no jargão, significa: “invente a justificativa, depois ache a lei que sirva”.
Pós-democracia em operação
Não se trata de golpe clássico. É algo mais sofisticado e perigoso: um modelo que dispensa a ruptura visível e age pelo desgaste imperceptível.
Aqui, o inimigo é vencido antes de nascer — não por falta de votos, mas por excesso de processos. Não é censura declarada, mas moderação “necessária”. Não é perseguição política, é “proteção das instituições”.
O Brasil está assistindo, em tempo real, à consolidação de um sistema que governa pelo medo jurídico e pela pedagogia punitiva. E, como sempre, o perigo maior não é o poder que abusa — é a sociedade que se acostuma.
Excelente, Marcos Paulo Candeloro. Vou guardar. É angustiante perceber esse monstro circulando na sociedade e a maioria não conseguindo enxergá-lo.
E com a autorização do stj em 8/8/2025