"Por praças e ruas vai o desejo mascarado/E sem o censor o prazer entra em todos os tetos."
Mantuano, poeta italiano do século XVI
As Saturnálias
As festas saturnais ou saturnálias foram instituídas por Túlio Hostílio, terceiro rei de Roma e que expandiu as fronteiras do território romano em guerras cruentas contra cidades vizinhas. Após derrotar seus inimigos, ele celebrava Saturno em festas públicas. Saturno era tido como o civilizador dos povos antigos da região do Lácio, antes mesmo da fundação de Roma, deus ligado aos ritos da agricultura, é ele aquele que representa a geração, a dissolução, a renovação e a libertação. As celebrações ocorriam no solstício de inverno, dia 17 de dezembro, e nelas eram rememorados os tempos míticos de uma 'idade de ouro', tempos de paz, abundância e fraternidade. Nos períodos republicano e imperial, as saturnais tornaram-se mais licenciosas, orgiásticas. O comércio era fechado, os negócios interrompidos, mesmo campanhas militares eram interrompidas, e os escravos tinham sua condição suspensa, podiam então fantasiar-se de senhores, e senhores se tornavam escravos. A partir do governo de Júlio César, as saturnais passaram a ser celebradas por três dias, e com Calígula foram estendidas – e alcançaram seu esplendor sórdido a cinco dias.
Mas se havia um lado comunal e fraterno nas festas saturnais, havia também um lado cruento, nefasto e ctônico. Este aspecto sacrifical tinha suas origens nos ritos relacionados a uma das consortes de Saturno, Lua – ou Lua Saturni –, em cuja honra as armas dos inimigos mortos eram queimadas. No século III d.C., Saturno é mostrado recebendo corpos de gladiadores mortos como oferendas durante ou perto da Saturnália, tais oferendas apontavam para origens festivas sacrificiais onde o deus Saturno exigia vítimas humanas em sua homenagem.
Tais festas invertiam a ordem social, mas não subvertiam a estrutura da sociedade; como bem coloca Victor Turner, a "reversão demonstra aos integrantes de uma comunidade que a alternativa ao cosmos é o caos, então melhor ficar com o cosmos mesmo, ou seja, com a ordem tradicional da cultura" – a bagunça festiva, a celebração orgiástica, mesmo a violência se faz institucionalizada – tudo que acontece de caótico nestes dias serve ao propósito de ordenar, manter as estruturas sociais.
The Purge (2013), dir. James DeMonaco
Em um futuro próximo, os Estados Unidos da América entram em convulsão social, econômica e política. A crise grassa por todo o país, milhões estão sem emprego, a violência escala a níveis catastróficos, e todo o sistema parece colapsar. Neste cenário um partido político surge prometendo ordem e uma nova américa, os Novos Pais Fundadores assumem o poder e instalam uma medida que estabelece uma nova era de paz e prosperidade: a noite do expurgo, um período de 12 horas onde quase todas as leis são suspensas e todos podem praticar atos criminosos sem punição, independentemente de sua gravidade, até mesmo – e principalmente – assassinatos.