Se há uma coisa que podemos dizer de 2022 é que ele foi de fato o ano em que perdemos a nossas cabeças. Isso acontece com os vikings de O Homem do Norte (The Northman), de Robert Eggers, que acredita estar vingando um assassinato que ele sequer compreende (ele erra na solução, e erra na compreensão do mundo, também), aconteceu com a nossa política - vivemos em uma república literalmente descerebrada (o Brasil é a Gotham City de Reeves ou, talvez, o Asilo Arkham - e ninguém entende, muito menos manda, nessa loucura - algo muito captado no romance Os automóveis ardem em chamas, de Marcel Novaes, lançado em 2022) - e foi muito bem diagnosticada em dois livros de Benjamin Labatut lançados este ano pela editora Todavia: Quando deixamos de entender o mundo e A pedra da loucura. Ambos livros exploram a vida e obra de cientistas, físicos, matemáticos, químicos e também artistas (Lovecraft, Philip K. Dick, o documentarista Adam Curtis) que simplesmente enlouqueceram, na aurora do mundo moderno, ao tentarem compreender o mundo de fato. O que rege o nosso mundo? Porque vivemos sobre essas leis físicas e naturais? Quem é o Criador no centro do universo? Bem, o nosso universo subatômico, quântico, sem dúvida está além da compreensão. A matemática não faz sentido. O nosso cérebro não foi projetado (projetado? Por quem?) para compreender e correlacionar tudo isso.
E seguindo exatamente nestes temas levantados por Labatut é que enfim fomos agraciado com a Magnum opus de Phil Tippett: MAD GOD (sem tradução no Brasil, 2022). Trata-se de um longa-metragem de stop motion (ainda que Tippett se utilize de outras técnicas, como tomadas em live action e composição digital) que conta a história da aventura de uma figura misteriosa, denominada simplesmente como “Assassino”, que viaja por um mundo bizarro e apocalíptico com a missão de destruí-lo com uma bomba. Pode parecer simples, até mesmo banal, mas o filme de Tippett é tudo menos isso. MAD GOD é sem sombra de dúvidas um dos feitos mais extraordinários que já vi no cinema (o filme em si levou mais de 30 anos para ser concluído), um delírio visual e experimental que é impossível de ser descrito. O filme não contém diálogos ou texto - salvo por uma citação do livro bíblico Levítico em seu início - e o tempo todo tentamos entender o que está acontecendo. Ainda que a trama seja praticamente inexistente e, o que há dela é simples e linear, MAD GOD é uma meditação sobre a loucura da criação, do ser humano, do mundo e do cosmos. É um pesadelo gnóstico que combina momentos de beleza avassaladora com imagens cataclísmicas de horror, destruição em massa e sofrimento. Pode soar como um clichê, mas MAD GOD é um filme que precisa ser antes de mais nada experienciado.